domingo, 18 de janeiro de 2009

Tentando me reencontrar

Depois de escrever o post anterior, percebi que estava me afogando num mar de sofrimento... sofrimento que em grande parte nem é meu (ou não deveria ser).
Decidi, então, tentar nadar de volta à superfície e respirar um pouco.

Fui passear. Descobri que a cidade está cheia novamente, como nos dias anteriores ao Natal. Não sei se as pessoas estão de férias, ou se elas estão simplesmente curtindo o verão e saindo mais às ruas. Fato é que tem muito mais gente na rua do que o normal.
Tentei pegar uma sessão de cinema, mas estava lotadasso, com fila virando o quarteirão e, claro, todas as sessões em horários próximos de qualquer filme, estavam esgotadas.
Acabei indo até um outro cinema próximo, que eu nunca tinha ido e consegui um lugarzinho numa sessão do filme: Arranged (Alguém que me ame de verdade). (Não gostei do filme - superficial e meio monótono)
Até a hora da sessão, eu ainda tinha 1h30 de passeio. Aproveitei para dar uma volta pela livraria e depois me empanturrei de "junk food" (eu merecia, vai?!).

Na porta do cinema, um pouco antes de entrar, encontrei um colega de faculdade. Ele ia assistir ao mesmo filme, mas como os lugares eram marcados no cinema (sim, estranho, mas eram), sentamos separados (podíamos ter sentado perto porque esse cinema não estava tão cheio assim, mas minha timidez não me permitiu ir até ele e ele também não veio até mim. Depois, ele me deu uma carona até em casa.
Fico meio encabulada nessas situações, nunca sei bem o que dizer, sempre tento fugir. Mas aceitei a carona. E viemos conversando sobre banalidades, num clima informal e estranho.

Ao chegar em casa, descobri, por acaso, que um amigo meu (também da faculdade) estava doente. Liguei para ele para saber o que tinha acontecido. Nada de grave mas descobri que esse colega de faculdade "com quem assisti" ao filme, tinha acabado de terminar um namoro de mais de 3 anos e estava super deprimido.
Putz!
Não tinha como eu saber...
Durante a carona, pensei várias vezes em perguntar sobre a namorada dele, mas não o fiz. Eu a conheci, já conversei com ela várias vezes (acho até que conversei mais com ela que nem é da faculdade do que com ele...) e gostava da moça. Nunca podia imaginar que eles tinham terminado.
Ele até deu uma "deixa" em um momento dizendo "não costumo fazer essas coisas, vir no cinema sozinho de domingo...". Mas eu nem percebi... nem perguntei. Nem sequer percebi que ele estava triste.
Mancada.

Enfim... o passeio foi bom, mas me deixou com esse "ranço" de ter feito besteira mais uma vez. Poxa! Eu só queria passear, curtir meu domingo longe do hospital e de suas atrocidades, tentar digerir um pouco de tudo que tenho vivido... não queria ter encontrado ninguém... não queria ter dado mancada e terminado a noite me sentindo uma insensível desastrada.




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Antes do cinema, durante meu passeio inicial sem rumo, vi algumas obras de arte, sentei num saguão movimentado, parei no tempo... e lembrei... e pensei... e acho que digeri uma boa parte das coisas ruins que tenho visto.

Gostaria de pedir licença a você para me deixar usar esse espaço para pôr para fora algumas dessas lembranças impregnadas em mim, de forma desorganizada e aguda, tentando, assim, cicatrizar melhor algumas feridas que elas deixaram:
"Correria.
Ficha.
Sangue.
Tosses fortes e profundas sem remetente.
Uma ferida exposta sendo responsável por um pé totalmente virado ao contrário ("Curupira").
Cabeça rachada.
Falta de ar.
Dor.
Canarinho.
Paciente PQ gritando no corredor. E de novo. E de novo.
Traqueostomia.
Mais um enrolado em papel metálico (o que será que tem dentro?).
Muito sangue.
Medula óssea de um fêmur ao vivo e a cores.
Tórax parecendo plástico bolha.
Perna com músculo pulando para fora - "xi... acho que não vai dar pra suturar, não, residente"; ele olhando: "dá sim! dá sim!"... tempo... olhando... tempo... "é, acho que não vai dar não, melhor chamar a plástica".
SVD. Urina voando pra todo lado.
Paciente de uns 200kg, bêbado, vítima de trauma - residente: "pega aquele colar cervical ali e tenta colocar nele"; eu: "o quê? sem chance! o pescoço dele é do tamanho da minha cintura"... o residente veio anyway e obviamente não conseguiu colocar o colar. Claro!
Cheiro de melena sufocante.
Um paciente me paquerando e insistindo para que eu ligasse para ele (e até que era bonitinho... atleta...).
Meu colega: "a sonda vesical daquela paciente está sem débito"; o residente: "deve estar na vagina, tira e passa outra"; meu colega: "é... a interna do 5º ano não sabe diferenciar uma vagina de uma uretra, que m...!!! que m...!!!"; eu: "pode deixar que eu passo outra" - devia ter deixado ele mesmo passar outra para ele ver que não é tão simples assim, para ele parar de xingar a interna, coitada...

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