domingo, 28 de setembro de 2008

Eis a história de vida de uma paciente

Quando jovem, ela namorava um rapaz que queria casar com ela e ir trabalhar em São Paulo. Ela não aceitou. Preferiu ficar em Recife e tocou sua vida. Casou-se com outro cara, teve seus filhos e netos.
O rapaz, mudou-se para São Paulo, também se casou com outra mulher, teve filhos. E os dois nunca mais se viram ou se falaram.

Até que o marido dela morreu. E a esposa dele também.
E ele, 40 anos depois do último encontro, voltou para Recife e pediu para casar com ela, dizendo que agora era a vez dele, que ele nunca a esqueceu.
Os dois, com quase 70 anos, se casaram, foram morar em São Paulo.
E ela descobriu que ele é o melhor homem que ela poderia ter. Amoroso, atencioso, prestativo, companheiro... "Tudo de bom!"

sábado, 27 de setembro de 2008

Quanto mais eu convivo com as pessoas, mais desumana eu fico...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Simpatia tem preço?

Ao sair da sala do Big Boss, encontramos um R+. E, para não perder a oportunidade de me envergonhar, o chefe fala:
- Essa moça aqui acabou de falar muito bem de você. Entre outras coisas, que conversamos, falamos de você e ela te elogiou muito.
O cara fez uma baita cara de "como assim????". Sorri, virei as costas e saí.

Acontece que esse cara, esse R+, eu conheço desde a época em que eu estava na cirurgia, quando ele passava lá sempre para fazer intercosnultas. Ele sempre me via, sabia quem eu era, conversou comigo algumas vezes sobre pacientes. Mas nunca, nunca mesmo, nem sequer me cumprimentou fora da enfermaria. Sempre que me via, virava a cara ou fazia cara de ocupado importante e fingia que não me conhecia. Essa semana, ele estava indo constantemente na minha enfermaria, inclusive passava visita com a gente, ficava lá pelo menos 3h por dia. E mesmo assim, sempre fingia que não me conhecia.

E hoje, após o acontecimento de ontem com o chefe, quando eu passava no corredor e o R+ estava na fila da lanchonete (uns 30 metros de distância), abriu um sorriso gigante, ficou acenando pra mim. Bizarro. Mais tarde quando ele chegou na enfermaria, estava sorrindo a toa, todo feliz, fazendo piadas. No fim, veio conversar comigo, perguntar se o que o Professor disse era verdade mesmo. O cara estava tão nervoso, tão animado, que nem sequer ouviu minha resposta sobre o assunto. Ele estava simplesmente flutuando num mar de contentamento por ter sido, indiretamente, elogiado pelo chefe.

Reconheço que não sou uma pessoa muito simpática, que não faço a menor questão de conversar com pessoas, fazer amizades, babar ovo de gente mais velha. Vivo do meu jeito, ignoro quem me ignora, cumpro minhas atividades e, se me identifico com alguém e se sinto correspondência, passo a ser amiga, confidente, simpática, parceira... tudo. Não deve ser muito fácil se aproximar de mim... Mas, em geral, um sorriso, um pouco de simpatia quebra meu gelo. Educação me conquista e me faz sentir bem. E respeito sempre distribuo da melhor forma que consigo, sem olhar pra quem, sem diferencia ninguém.
Só gostaria de não precisar passar por situações como essa para que me enxergassem, para ser vista, para ser respeitada, cumprimentada, no mínimo.

Mas, não posso deixar de reconhecer: ser amiga do chefe, não tem preço!!

Cegueira

Essa semana tive uma conversa com um professor (The big boss). Sempre gosto de conversar com ele (apesar de depois sempre me sentir idiota), ele me faz sentir segura, importante.
Entre outras coisas conversamos sobre meu excesso de sensibilidade. Ele acha que sou uma pessoa que percebe demais, que sente o "clima" dos ambientes com muito mais facilidade que outras pessoas.
Não que isso seja ruim. Pode ser muito bom, dependendo de como eu use isso. Mas, uma coisa inquestionável, que ele mesmo disse, é que isso me faz sofrer demais.
Enxergar mais faz com que a gente sofra mais.

Hoje fui assistir "Ensaio sobre a cegueira". Já tinha lido o livro, aliás, é listado como um dos meus preferidos, e achei sensacional. Saramago é simplesmente sensacional! E ele e o diretor do filme traduzem muito bem sensações, sentimentos que sempre tive e nunca entendi.
Essa coisa de enxergar demais, por exemplo, além da tradução das agruras humanas, a violência, as pequenas lideranças que abusam de seus poderes, mesmo que pequenos, o nível a que temos que descer, às vezes, para sobrevivermos e o quanto isso também nos faz sofrer.

Viver dói. Enxergar bem faz doer mais ainda. Mas quem não quer, né?!

domingo, 21 de setembro de 2008

Esqueci de comentar:
Mês passado tive uma paciente na enfermaria que tinha febre e um quadro pulmonar. Como ela tinha feito uma cirurgia no quadril recentemente e como seu Rx não mostrava condensação, ficamos na dúvida se ela tinha Pneumonia ou TEP. Para piorar a situação, ela era alérgica à contraste (e portanto não podia fazer angioTC - o melhor exame para diagnóstico de TEP).
Na dúvida, ela recebeu antibiótico e anticoagulante. Depois de vários exames inconclusivos, optamos tentar fazer a angioTC, tomando cuidados para evitar crise alérgica.
O exame veio negativo para TEP, ela teve apenas reações leves ao contraste, fechamos diagnóstico de pneumonia, ela terminou antibiótico, melhorou estado geral e teve alta.

Quando ela estava na UTI, antes de vir para a enfermaria, alguém pediu um Eco para ela. Ela tinha um sopro antigo e não sei por que resolveram fazer esse Eco. Ele ficou marcado para a semana seguinte da alta. Tudo ok.

Na semana seguinte, quando já nem mais pensávamos naquela paciente, ela voltou. O Eco mostrou uma enorme vegetação na valva mitral. Ela tinha uma Endocardite e nós comemos uma bola gigantesca.
A coitada foi reinternada para receber antibiótico.

Caraca! Fiquei pensando muito nesse caso. Se o cara da UTI não tivesse marcado esse Eco, ou se nós tivéssemos desmarcado (sim, pensamos em desmarcá-lo porque não achávamos necessário - nem sequer aventamos a possibilidade de EI), se ela tivesse perdido o exame... ela poderia ter tido um AVC, ficado com graves sequelas para o resto da vida ou, pior, podia ter morrido. Comida de bola imperdoável!!!

Mais um ensinamento para a vida toda: sempre pensar em EI! Principalmente paciente pós prótese, com sopro...

sábado, 20 de setembro de 2008


Gente
A.Valsiglio/ Cheope/ M.Marati
Cantado por: Renato Russo


Si sbaglia sai quasi continuamente
Se erra, sabe, quase continuamente
sperando di non farsi mai troppo male
esperando não fazer muito mal
ma quante volte si cade.
Mas, quantas vezes não acaba acontecendo

La vita sai è un filo in equilibrio
A vida, sabe, é um fio em equilibrio
e prima o poi ci ritroviamo distanti
e cedo ou tarde nos encontramos distante
davanti a un bivio.
de frente a uma bifurcação

Ed ogni giorno insieme per fare solo un metro in più
E cada dia, juntos, para fazer só um metro a mais
Ci vuole tutto il bene che riunsciremo a trovare in
Precisa-se de todo o bem que conseguimos encontrar em
ognuno di noi
cada um de nós

Ma a volte poi basta un sorriso solo
Mas, de vez em quando, basta somente um sorriso
a sciogliere in noi anche in inverno di gelo
pra derreter em nós até um inverno de gelo
e ripartire da zero
e recomeçar do zero

Perché non c'è un limite per nessuno
Porque não existe um limite pra ninguém
che dentro sè abbia un amore sincero solo un respiro
que dentro de si, tenha um amor sincero, somente uma pausa

Non siamo angeli in volo venuti dal cielo
Não somos anjos em vôo vindos do céu
Ma gente comune che ama davvero
Mas pessoas comuns que amam de verdade
gente che vuole un mondo più vero
pessoas que querem um mundo mais verdadeiro
la gente che incontri per strada in città
pessoas que você encontra pelas ruas na cidade

Prova e vedrai ci sarà sempre un modo
Prove e vai ver, haverá sempre um modo,
dentro di noi per poi riprendere il volo
dentro de nós, pra depois retomar o vôo
verso il sereno
em direção ao sereno

Non siamo angeli in volo venuti dal cielo
Não somos anjos em vôo vindos do céu
ma gente comune che ama davvero
mas pessoas comuns que amam de verdade
gente che vuole un mondo più vero
pessoas que querem um mundo mais verdadeiro
la gente che insieme lo cambierà
pessoas que juntas irão mudá-lo
gente che vuole un mondo più vero
pessoas que querem um mundo mais verdadeiro
la gente che insieme lo cambierà.
pessoas que juntas irão mudá-lo.

DIÁRIO DE BORDO - Uma semana em Atenção Primária

Passei essa semana acompanhando o trabalho das equipes de saúde de um serviço de Atenção Primária. Deixo aqui relata essa incrível experiência.

15/09/08 - Segunda-feira
Cheguei ao serviço, hiper tímida como sempre e conheci a tal da médica maluquete que falara comigo ao telefone nas semanas anteriores.
Fui colocada para acompanhar a equipe verde. A médica estava de licença e não havia como substituí-la, portanto, quem liderava era a enfermeira. A garota de vinte e poucos anos tinha responsabilidades monstras sobre suas costas mas não conseguia resolver diversos problemas simples. Apesar de saber o que e como fazer, muitas vezes as outras pessoas envolvidas nem sequer ouviam o que ela tinha para dizer só diziam "quero um médico". Complicadíssimo. Mas até que a garota se saía bem.
No final da manhã, fomos para o grupo de dor. Era o primeiro dia daquele grupo que era baseado no tratamento de dor através de shiastu. Uma maravilha!!! Fizemos relaxamento, massagem uns nos outros. Foi demais!
Almocei num bar sujo, cuja comida me custou míseros R$3,50.
À tarde, fui com os residentes ao grupo de reeducação alimentar. Eram umas 10 senhoras tentando emagrecer. Recebiam orientações, trocavam experiências. Foi interessante, mas o que mais me chamou atenção foi o envolvimento dos médicos naquele grupo. Eles estavam tão envolvidos, tão envolvido, que já não conseguiam mais olhar de fora, não conseguiam perceber como algumas senhoras burlavam o esquema, o que estavam fazendo de errado. E, consequentemente, não conseguiam ajudá-las sempre.
Depois, fui para um outro grupo acompanhar consultas de enfermagem. Essas eram consultas principalmente de gestantes e puericultura que a enfermeira fazia intercalada com consultas médicas desses pacientes, mais para verificação de sinais vitais/ crescimento, orientações e identificação de problemas. A enfermeira que estava atendendo era muuuuito engraçada. Falava gírias da comunidade, xingava, brigava. Se fazia entender muito bem! Achei fantástico conhecer aquela figura.

16/09/08 - Terça-feira
Pela manhã fomos para uma aula teória (discussão de caso de uma família com problemas) e discussão sobre SUS. As pessoas que se especializam em Medicina de Família lá são muito característica. Em geral, ativos politicamente, contestadores. Foram discussões muito ricas. Falamos sobre as dificuldades de incluir esse assunto na Graduação, a diferença entre os postos dessa região e do resto do país, um pouco da história de implantação do PSF.
À tarde, fiz visita domiciliar com aquela enfermeira figura que conheci no dia anterior. Ao chegar na casa, a puérpera ia começar a dar banho em seu bebê. Dear God, quanta dificuldade... Olhando de fora parece fácil, as orientações teóricas são aparentemente simples, mas vai lá tentar fazer pra ver como é... Simplesmente impossível seguir todas as orientações e cuidados. Principalmente se a coitada da mãe estiver sozinha para dar o banho.
Depois, vimos e orientamos amamentação. Interessantíssimo ver que na prática as orientações teóricas também mudam um pouco. E falamos de como incluir na nova realidade a filha mais velha, de 6 anos.

17/09/08 - Quarta-feira
Pela manhã, teríamos uma discussão sobre o posto e a região. Na verdade, era um grupo para que os moradores da região que tivessem interessados, pudessem conhecer sobre o sistema de saúde e sobre o posto especificamente, seu funcionamento, suas atribuições. Mas como tinha sido pouco divulgado, não apareceu ninguém e acabos por ser realocados. Fui acompanhar consultas médicas que a residente estava fazendo.
Aquela garota nasceu para fazer aquilo. Tinha uma paciência invejável e uma sensibilidade rara. Gostei muito. E para terminar a manhã, atendemos uma senhorinha com fortes dores crônicas que seria submetida a sua primeira sessão de acupuntura.
À tarde, tivemos aulas teóricas sobre processo de aprendizagem de escrita da criança e sobre tabagismo.
Lá reencontrei um dos meus mestres na faculdade. Meu cabeludo favorito. Agora como residente, mais maduro, mais seguro. Conversamos bastante como há muito não fazíamos e entendi como é estar no lugar certo, seguir a carreira certa. Admirável esse rapaz.

18/09/06 - Quinta-feira
Nossa!!! Essa manhã foi inesquecível. Impressionante! Eu deveria ter ido fazer visitas domiciliares, mas por problemas da equipe, acabou não sendo possível, então optei por acompanhar as consultas médicas de uma já Assistente (que trabalha lá há uns 4-5 anos).
Quando entre, ainda em reunião, a médica conversava com as agentes de saúde sobre um problema sério que a comunidade estava enfrentando. Semana passada, uma menina foi ao AMA da região com queixa de dor ao urinar e prurido vaginal. Ao examiná-la, o médico do local suspeitou que a menina sofrera abuso sexual. Como manda a lei ele acionou as assistentes sociais e fez todos os trâmites cabíveis. A família inteira teve que ir depor, fazer exames no IML e tal. Enfim, foram investigar o caso. O problema é que na comunidade (assim como em tantas outras), se uma criança sofre abuso sexual, o cara que praticou o ato é assassinado. Simples assim. Ninguém espera o cara ser preso nem julgado nem nada. Matam mesmo. Assim, tendo acontecido esse problema, o pai da criança estava ameaçado de morte. Só que a conclusão inicial dos exames foi de que a menina não sofrera abuso e que o pai não tinha feito nada com ela. O grande problema é que ele precisava provar isso antes que o matassem e nada garantia que iam esperar ele receber a papelada. Enfim, o cara, pai de família, inocente, poderia morrer a qualquer momento por uma atitude impulsiva de um médico (não estou dizendo que ele estava errado em denunciar - ele precisava proteger a criança - mas ele poderia ter feito isso com mais cautela, podia ter procurado os médicos do posto para discutir o caso, já que eles acompanham aquela família mais de perto e há mais tempo). Tenho certeza que se o médico conhecesse a realidade daquele lugar, se ele soubesse que colocaria em risco a vida de um inocente, ele teria feito tudo de um outro jeito.
Ao começar a atender os paciente, a primeira que entrou era uma mulher grandona, meio "mano", que sofria de síndrome do pânico. Aquele mulherão, chorava feito um bebê, morria de medo de sair de casa. Vivia uma realidade muito difícil com o marido preso, dois filhos pequenos. Mas era uma mulher impressionante. Totalmente diferente de qualquer pessoa que eu tenha conhecido. Me apresentou uma realidade de vida que eu nunca imaginara que poderia existir. Depois a médica me contou que é ela a pessoa que mais passa informações para a equipe de como está a comunidade, o que tem acontecido, qual a realidade do momento.
A segunda, era uma mulher doce, muito simples. Passou a consulta meio inquieta, parecia que queria contar algo mas estava sem coragem. Com toda a sensibilidade a médica conseguiu que a mulher se abrisse. Ela não sabia ler e escrever e queria um encaminhamento para um psicólogo porque diziam para ela que ela era muito burro e tinha problema mental. Ela também chorou. Conversando, descobrimos que durante a vida difícil que levara, ela nunca teve oportunidade de aprender. Explicamos que não era uma questão de ser burra, mas sim de aprendizagem. Ela mostrou-se muito animada para aprender e pedimos para que voltasse à tarde para que a apresentássemos a um professor da comunidade que dava aulas gratuitas para adultos. Mudamos a vida dela.
A terceira entrou de óculos escuros. Disse que precisava de um atestado para não ir ao trabalho. Conversando, ela nos contou que apanhou da irmã. Quando tirou o óculos pudemos ver seu rosto todo arranhado principalmente próximo aos olhos, inchado, roxo. Chocante. Uma história bem esquisita, mas aparentemente comum ali.
Por último vimos um senhor com dores crônicas. Grandão. Tinha um diagnóstico de esquizofrenia, mas ninguém sabia direito como nem por que. Aprendi que não se precisa tentar resolver todos os problemas de uma vez. Nos focamos em um assunto que consideramos o principal e marcamos retorno para, com o tempo, ir tratando dos outros problemas, abordando as outras questões. Algo que não é possível num hospital terciário, mas totalmente pertinente na atenção primária.
Após todas essas consultas, não aguentei e perguntei para médica como ela conseguia ver e ouvir todas aquelas coisas e conseguir dormir à noite, não levar esses problemas para casa. Ela me respondeu: muita terapia. Ela falou que essa é uma das coisas mais difíceis ali porque você se envolve demais com a pessoa e com sua família inteira, elas passam a fazer parte da sua vida. Mas você tem que aprender a deixar os problemas ali. Ela faz tudo que pode nos horários de trabalho para poder ir para casa com sensação de dever cumprido, sem arrastar tantas coisas no caminho. Nem sempre é possível, mas com o tempo vai se aprimorando.

À tarde, fui para faculdade ter aulas e fazer prova. Ao chegar na enfermaria, fiquei perplexa com a cara que meus colegas estavam. Todos cansados, estressados, chateados. Clima péssimo. Deu até medo. Fiquei me questionando novamente se aquele grupo é bom para mim. Eles simplesmente não sabem como burlar o mau-humor, as coisas ruins, eles simplesmente encorporam e retransmitem coisas ruins aos 4 ventos. Horrível. Queria conviver com pessoas menos sérias, que levassem menos ao pé da letra as ordens e arbitrariedade dos nossos superiores, que soubessem apoiar um ao outro, dar suporte nas situações difíceis. Sei lá. São todos egoístas centrados em si mesmo. É muito triste... (entre o "todos" retiro 2 deles que são menos "nerds")
Mas, falando da prova, fiquei meio assustada com ela. Eu simplesmente esqueci da existência de algumas doenças altamente prevalentes. Vi uma foto de uma lesão de pele e não fazia idéia do que era. Em algum lugar da minha mente eu sabia que podia ser causada por Staphylo ou Strepto, mas não conseguia fazer a informação fazer sentido. Depois, vendo o gabarito, descobri que era Impetigo. Caraca!!! Eu esqueci que existe algo tão comum no mundo. Simplesmente esqueci. Assim como a questão de pancreatite. Nem sequer lembrei que existia essa doença. ZUADO! Fiquei com medo da hora em que for atender, ver essas coisas e esquecer informações importantes assim. Isso é inadmissível!

19/09/08 - Sexta-feira
Pela manhã, novamente acompanhei consultas.
Por último atendemos um lindo menino de 12 anos. Super educado, inteligente, bonzinho, responsável. Estávamos discutindo o caso com o psiquiatra (que passa lá uma vez por mês para dar uma consultoria). O menino tinha diagnóstico de TDAH, tomava remédio e tal. A escola, considerava ele um retardado, dizia que ele não conseguia aprender. A mãe dizia que ele era muito burro. Conversando com o menino, claramente ele não tinha TDAH (era super calmo, prestava atenção, estava tranquilo). Ele tinha bastante dificuldade para ler e escrever, mas de burro não tinha nada (aprendera a montar bicicletas sozinho, adorava mecânica e computação). A impressão clara que fiquei é que ele é mais uma vítima da péssima qualidade de ensino no Brasil. O menino tinha muita vontade de aprender, mas não tinha ninguém para ensiná-lo. Os pais trabalhavam muito, a escola o tratava como doente. Ele claramente tinha dificuldades para aprender, mas se encontrasse alguém com paciência e disponibilidade, ele conseguiria chegar longe.
Uma pena saber que dificilmente ele vai encontrar alguém. Pelo contrário, está cercado de gente que o chamam de burro ou doente mental, que dizem que ele nunca vai conseguir fazer uma faculdade, nunca vai vencer na vida. Uma enorme pena!

À tarde, voltei para meu hospital terciário para atender no ambulatório de geriatria. Conheci um velhinho muito figura, super atlético. Queria ter metade da disposição dele. E no fim, fugi do ambulatório deixando um paciente sem atendimento. Já eram 16h e o paciente não tinha sido atendido ainda porque o idiota do meu colega não foi no ambulatório daquele dia e não mandou ninguém para substitui-lo. O mais justo é que os amigos dele de panela o cubrissem e não eu, ué?! Fui embora na maior cara dura e deixei o paciente lá para que eles atendessem.

E assim terminou minha semana atípica. Tão cheia de aprendizados, vivências, trocas. Saio dela uma pessoa melhor, uma profissional mais capacitada. Semana que vem, volto para meu antro de desgraças. Espero sobreviver...

sábado, 6 de setembro de 2008

O que será que será...

Voltei a repensar se essa é mesmo a vida que quero... Cuidar de gente doente para o resto da minha vida, estar sempre tão perto da morte, tão perto do sofrimento humano mais intenso.
Voltei a pensar em parar a faculdade.

E pensando melhor, olhando para trás, vejo que é tudo culpa da Clínica Médica. Todas as vezes em que me senti "deslocalada", inútil, incapaz, sem talento, sem capacidade... eu estava na Clínica Médica. Com as outras especialidades, tive alguns baixos. Mas meus buracos, o fundo do poço mesmo, só aconteceu e acontece na Clínica Médica. Começou no segundo ano, depois no terceiro (nossa! nesse eu sofri), depois no quarto ano (eu queria me matar - se não fosse meu professor que era o mais maravilhoso de todos, eu teria largado) e agora no quinto. Odeio tudo naquele lugar, odeio o ambiente, odeio os residentes (infelizes, reclamões), odeio os assistentes (idiotas, exigentes, sem didática alguma, que nos tratam como imbecis), os pacientes (todos tão poliqueixosos, preguiçosos, deprimidos, mal cuidados, com doenças raras e/ou graves - isso quando têm diagnóstico)...

A primeira conclusão óbvio a que chego é: não nasci para ser clínica. Essa vida eu realmente não suportaria.
Tenho algum tipo de bloqueio com esse negócio. Tenho uma dificuldade absurda de aprender. É como se meu cérebro se recusasse a aceitar as informações vindas da clínica. Nem as coisas mais simples fazem sentido para mim lá. Confundo tudo, desaprendo tudo que leio, esqueço. Não sei por que, não sei como. Tempo perdido. Totalmente.

O que me ajuda a respirar é saber que só faltam duas semanas de trabalho, uma evolução de sábado e um plantão diurno, duas provas e alguns ambulatórios. Depois disso, passo para a enfermaria da MI. E aí vamos ver se essa sensação desesperadora muda, se passa ou se realmente vou acabar prestando vestibular de novo...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Cometi um erro e prejudiquei seriamente uma pessoa. Imperdoável.

Eu percebi há cerca de 2 semanas que não estava em condições de cuidar bem de ninguém. Eu sabia. Eu senti isso fortemente. Estava em "burn out", pirando, cansada, estressada... simplesmente não conseguia "ver, ouvir, sentir", prescrever, alterar, pensar, agir.
Mas quem disse que alguém se importa? Falei para um dos chefes o que estava acontecendo. Ele olhou para mim: "sério?". E mudou de assunto. Ninguém ligou, continuaram lá, me mantiveram responsável por dois pacientes. Dois. Graves.

Um desses pacientes: idosa, acamada, com câncer. Aguardava uma cirurgia curativa. CURATIVA. De repente, chego lá numa manhã e ela está com cateter de oxigênio, dispnéica. Perguntei o que tinha acontecido e ela respondeu que não sabia, que começou a se sentir mal no dia anterior, com muita falta de ar.
Na hora, apareceu um letreiro na minha cabeça piscando TEP TEP TEP. Putz... se essa mulher fez uma embolia pulmonar, f... Nesse momento me lembrei que durante todo o tempo de internação dela, esqueci que ela precisava de profilaxia para TEP. Simplesmente esqueci. Apesar de meus chefes sempre falarem, insistirem, cobrarem... Eu não lembrei! PQP!!! Eu não lembrei!!! Eu simplesmente fui copiando as prescrições, mudando uma coisa ou outra, mas não lembrei da porcaria da profilaxia.

Ninguém da equipe conseguiu se conformar com essa falha até agora. Várias pessoas viram a prescrição, várias pessoas fizeram a prescrição em finais de semana e ninguém lembrou. Nem eu, que teoricamente era a pessoa responsável pela paciente, que era quem a via e prescrevia diariamente.

Conversando com os mais velhos, lembramos que quando ela chegou, estava com sangramento intestinal (o que contra-indica a anticoagulação) e que depois, mesmo tendo melhorado, tinha grande risco do tumor (ulcerado) dela sangrar.
Algumas pessoas me disseram que nem uma profilaxia adequada poderia evitar um TEP daquele tamanho. Que foi muito grande, que as condições clínicas favoreciam muito a embolia.

Mas, nada disso me exime da culpa. NADA. Ela era uma paciente de grande risco, eu sabia que precisava de profilaxia (tinha todo conhecimento sobre o assunto), sabia que eu não estava em condições de ficar responsável por pacientes tão graves e toda essa soma de coisas resultou num erro grave. Gravíssimo. Tive culpa sim. Eu e os outros. E agora não dá mais para voltar atrás. Mas talvez aprender com esse erro.

E agora, vamos ter que esperar para ver se ela poderá operar um dia, ou se ...