terça-feira, 8 de novembro de 2005

"Vc tem valores muito fortes, muito mais corretos do que a maioria das pessoas. Às vezes vc vem falar alguma coisa pra mim e eu sei que vc está certa. E eu fico pensando: 'poxa, as coisas precisam ser sempre tão certinhas?' Eu te admiro por você ser assim. É coisa de princípio."

Passei por alguns momentos complicados agora pouco. Estou me sentindo horrivelmente mal.
Me sinto uma extraterrestre nesse mundo onde roubar não é algo grave; onde as pessoas se acham o máximo e ficam brigando para ver quem é o Deus mais poderoso, que receberá a oportunidade de salvar uma cidade do interior do Rio Grande do Norte dos terríveis médicos mal preparados da região.

Primeiro, tivemos uma séria discussão (umas 30 pessoas), na qual eu defendia a posição de que roubar é algo grave (crime previsto em lei), passível de punição severa. Perdi na votação. Mais da metade das pessoas presentes considera que roubar 7kg de carne não é nada, não precisa de punição, não é a mesma coisa que roubar dinheiro. O estranho é que apesar de considerarem isso, defendem que o assunto seja abafado, completamente escondido do resto das pessoas. Se não há desvio de conduta, se não há nenhum problema moral, porque não se pode falar a respeito com outras pessoas?

Depois tive uma discussão chata com uma menina que acha que não há problemas em ser objeto de manipulação política, que egoisticamente acha que viajar para uma cidade pobre do interior do Brasil, ficar lá 15 dias diagnosticando milhares de doenças em pessoas que nunca vão receber tratamento, é ajudar muito, é fazer um papel fantástico, é uma oportunidade de conhecer melhor a situação em que os menos afortunados vivem e, dessa forma, se tornar uma pessoa melhor, se tornar um médico melhor... O pior é que esse pensamento é compartilhado por cerca de outras 300 pessoas que estão prestando uma prova para certificar sua condescendência a esse projeto mal estruturado, que traz muito mais prejuízos (à população, que ilusoriamente acha que agora será melhor tratada, que precisará correr de cidade em cidade em busca de atendimento médico porque o médico de São Paulo disse que ela era hipertensa, que isso é uma doença grave, que ela precisa se tratar; aos alunos que viajam e voltam se achando mais deuses do que já achavam, porque afinal eles foram lá e salvaram uma população carente, porque agora que eles passaram 15 dias atendendo naquela cidade, eles sabem o que é ser "carente", o que é viver numa cidade do interior do nordeste sem estrutura, sem água, em condições precárias).

Eu só posso ser uma extraterrestre, não é possível...
Onde foi que enraizei esses valores de maneira tão forte? Onde foi que aprendi a ser eu mesma, a acreditar no meu 6º sentido, a não fazer algo só porque os outros acham legal, sem parar para pensar o que EU acho, sem procurar mais informações a respeito???
Será que foi com meus pais, que conseguiram me EDUCAR de verdade e não apenas passar a mão na minha cabeça, me dar presentes e me deixar com a empregada? Será que foi na minha casa, onde nunca se fez distinção de raça ou nível social, onde todos comiam juntos na mesa, independente de serem empregados ou amigos? Será que foi no meu colégio de periferia onde a preocupação com a Cidadania era muito maior do que com o maldito vestibular, que faz com que as professores ensinem muita Física e Química e esqueçam de passar valores essenciais?

Aliás, um aparte sobre a história de todos sentarem na mesa juntos. Desde que me conheço por gente, as empregadas sempre comeram na mesa com a minha família, nunca percebi que isso não era "usual" até que, ano passado, levei meu namorado para almoçar na casa do meu pai. Como de costume, a Liu, que cuida da casa hoje, serviu a comida e depois se sentou e almoçou com a gente. Depois, ele veio falar comigo: "Nossa, que legal! Eu nunca tinha pensado nisso... achei algo muito legal da sua família." Eu não entendi nada até que ele explicou que nunca tinha pensado que a empregada poderia sentar na mesa e comer com a família. O engraçado é que eu nunca tinha pensado que a empregada poderia comer em outro lugar ou outro horário que não fosse com a gente.

Acho que estou me sentindo melhor agora. Acho que hoje fiz algumas inimizades hoje... Mas, tudo bem, se é pra preservar meus valores, se é para fazer do jeito que EU acho certo, prefiro viver nessa minha ?arrogância?, criar inimizades que me vêem assim, arrogante, durona, chata, encrenqueira, detalhista, certinha demais...