domingo, 18 de janeiro de 2009

Mais do mesmo

Fim de mais um plantão na noite dessa cidade turbulenta.
Na madrugada, alguns motoqueiros estrupiados, alguns acidentes de carro, muitos bêbados enchendo o saco e poucos velhinhos com câncer.

Bem no finzinho do plantão, 6h-7h da manhã, começam a chegar os acidentes mais graves. Pessoas bêbadas que saíram dirigindo por aí e se machucaram feio. Um motoqueiro, bêbado, sem capacete chegou quase morto... e morreu em poucas horas.
Eu, super cansada depois de uma madrugada inteira de trabalho, simplesmente não conseguia me conformar com aquilo. Tanta tragédia por besteira. Após 1h de luta contra a morte, após sedação, intubação, volume, sondas, redução de fraturas, rx, tomo etc etc etc, saí da sala de emergência desolada, inconformada. Dizia, sem controle, "por que as pessoas bebem e saem de moto sem capacete? por quê? não consigo me conformar com essas mortes!!"
Foi sofrido.

E percebi de uma vez por todas que não nasci para ser cirurgiã. Por algum motivo inexplicável, nasci com talento para operar, faço isso bem, mesmo sem ter muito conhecimento. E adoro operar! Mas não dá. Eu não aguentaria essa vida. Eu não suportaria a frustração de ver esses acidentes diariamente, essas pessoas morrendo ali, na minha frente, sem que eu possa fazer nada. Eu não suportaria ter que conviver tão de perto com câncer e suas implicações e todo sofrimento que ele traz. As vidas salvas, para mim, não diminui a dor das vidas perdidas e do sofrimento antes da partida.

Essa semana, será minha última nesse estágio da cirurgia. Depois passo para o pronto socorro da neurologia. Não acho que vai ser muito melhor. Os casos também são bastante tristes. E, para piorar, não gosto de neuro, não sei nada de neuro, não consigo aprender essa complexidade do ser humano. Para isso, com certeza, não tenho o menor talento. E vou sofrer.
Mas, pelo menos, terei menos plantões, eles serão mais tranquilos (não tem 1/10 dos pacientes da cirurgia), poderei retomar parte da minha vida atualmente abandonada, poderei ir ao cinema, comer em lanchonetes na Paulista, passear de vez em quando...
E reorganizar meus estudos de quase médica - que daqui a poucos meses estará com diploma na mão, tocando algum serviço de saúde de alguma parte do Brasil. Com toda a responsabilidade nas costas sozinha.

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