domingo, 21 de dezembro de 2008

Mais alguns trechos

De "A elegância do ouriço" de Muriel Barbery

      "Aparentemente, de vez em quando os adultos têm tempo de sentar e contemplar o desastre que é a vida deles. Então se lamentam sem compreender e, como moscas que sempre batem na mesma vidraça, se agitam, sofrem, definham, se deprimem e se interrogam sobre a engrenagem que os levou ali aonde não queriam ir. Os mais inteligentes até transformam isso numa religião: ah, a desprezível vacuidade da existência burguesa! Há cínicos desse gênero que jantam à mesa do papai: "Que fim levaram nossos sonhos de juventude?", perguntam com ar desiludido e satisfeito. "Desfizeram-se, e a vida é uma bandida." Detesto essa falsa lucidez da maturidade. O fato é que são como os outros, são crianças que não entendem o que lhes aconteceu e bancam os durões quando na verdade têm vontade de chorar.
      No entanto, é simples entender. O problema é que os filhos acreditam nos discursos dos adultos e, ao se tornar adultos, vingam-se enganando os próprios filhos. "A vida tem um sentido que os adultos conhecem" é a mentira universal que todo mundo é obrigado a acreditar. Quando, na idade adulta, compreende-se que é mentira, é tarde demais. O mistério pemanece intacto, mas toda a energia disponível foi gasta há tempo em atividades estúpidas. Só resta anestesiar-se, do jeito que der, tentando ocultar o fato de que não se encontra nenhum sentido na própria vida e enganando os próprios filhos para tentar melhor se convencer."

      "Quando digo mau, não quero dizer malvado, cruel ou despótico, embora seja um pouco isso também, não, quando digo "um mau de verdade", quero dizer que é um homem que renegou tanto tudo o que podia haver de bom dentro dele, que parecia um cadáver, quando, porém, ainda estava vivo. Porque os maus de verdade detestam o mundo inteiro, sem dúvida, mas sobretudo a si mesmos. Vocês não sentem quando alguém tem raiva de si mesmo? Isso leva a pessoa a se tornar morta emboara esteja viva, a anestesiar os maus sentimentos mas também os bons para não sentir a náusea de ser ela mesma."

      "(...) porque no dia 16 de junho eu me suicido. Mas não praticando seppuku. Seria algo muito significativo e cheio de beleza, mas... pois é... não tenho a menor vontade de sofrer. Na verdade, detestaria sofrer; acho que quando se toma a decisão de morrer, justamente porque se considera que ela faz parte natural das coisas, é preciso fazer tudo suavemente. Morrer deve ser uma delicada passagem, um escorregão acolchoado para o repouso. Tem gente que se suicida atirando-se pela janela do quarto andar ou então engolindo água sanitária ou então se enforcando! É uma loucura! Acho até obsceno. De que adianta morrer se não for para não sofrer?"

      "Acho que queria morrer e fazer Colombe e mamãe e papai sofrerem porque ainda não tinha sofrido. Ou melhor: sofria, mas sem que isso doesse, e, de repente, todos os meus pequenos projetos eram um luxo de adolescente sem problemas. Racionalização de menina rica que quer bancar a interessante."

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