Paciente: senhor de idade, 82 anos. Internado na clínica médica por diversas comorbidades (que até pouco tempo ele não tinha), entre elas, insuficiência renal dialítica.
A Psiquiatria foi chamada porque desde que o senhorzinho recebeu a notícia de que teria que fazer diálise 3 vezes por semana, ficou apático, triste, passou a recusar exames e alimentação e para convencê-lo a fazer diálise é uma luta. Tudo que ele quer é poder ir para casa e, se Deus assim quiser (sic), morrer lá.
Fui atendê-lo.
Ele estava completamente lúcido e funcional. Sabia de tudo sobre o hospital, sobre sua doença e não queria mesmo continuar fazendo diálise. Ele tinha plena consciência de que sem a diálise, a morte estaria muito mais próxima (em poucos dias talvez).
Sua maior preocupação era não chatear os médicos. Ele dizia "eu sei que vocês querem o melhor para mim, vocês são bons e estão me tratando bem. E eu não sou rebelde, não sou uma pessoa ruim e não quero ir contra vocês. Mas eu quero ir pra casa, ficar tranquilo".
Ele estava recusando alimentação porque não gostava da comida do hospital. Ele sentia fome e queria comer. A comida da casa dele.
Fui discutir o caso e o Residente estava super preocupado, dizendo que cada vez estava mais difícil lidar com o paciente, que inclusive a família queria que ele continuasse a diálise, mas que o paciente se recusava cada vez mais fortemente.
Perguntei: "e qual é a chance de vocês deixarem ele ir para casa?".
Resposta: "Nenhuma!". Óbvio. Os médicos assistentes nunca permitiriam que se desse alta para um paciente morrer em casa. Dignidade não é algo que exista no vocabulário deles.
É uma situação tremendamente difícil, que exige muita conversa com o paciente e com a família. Mas, se o paciente tem consciência total de sua doença, sabe dos riscos de não fazer o procedimento, sabe que vai morrer logo e não está sofrendo com isso, qual o problema de ele viver os últimos dias que lhe restam na paz de seu lar, com sua família, comendo sua comidinha gostosa?
É muito ruim admitir que a gente não pode salvar a vida de um paciente. Mas na maioria das vezes a gente não pode mesmo.
Pra quê ficar prolongando a vida de uma pessoa que não quer mais sofrer nas mãos de médicos, com um catéter no pescoço, sendo picado diariamente para coleta de exames, sozinho num hospital, com comida ruim e enfermeiras chatas???
Opinião pessoal: as pessoas têm o direito de escolher. Se elas tivessem nascido no século XIX, não haveria tecnologia para mantê-las e elas teriam morrido muito antes dos 80 anos.
Hoje temos tecnologia. Para quem quiser usá-la. Não para usar compulsoriamente em todo e qualquer paciente.
Se é a vontade dele e a vontade de Deus...
Nenhum comentário:
Postar um comentário