sábado, 25 de outubro de 2008

Justo hoje...

Quando se junta muita sujeira embaixo do tapete, um dia fede.

Hoje pela manhã, pouco depois que acordei, meu pai e minha irmã chegaram, vindos do mercado. Estavam felizes, conversando. Logo depois de guardar as compras, meu pai começou a fazer mudanças na casa. Trocou alguns lustres, colocou uns quadros na parede, arrumou o chuveiro, colocou uns enfeites no teto...

Me aproximei algumas vezes, perguntei o que eles estavam fazendo, tentei me interessar, mas não fui muito bem recebida. Eles mal olharam para minha cara.
Voltei para meu quarto, continuei estudando, fuçando na net, assistindo tv...

À tarde, eles entraram no meu quarto. Primeiro meu pai. Olhou pra parede, ficou parado alguns segundos e saiu. Depois vieram juntos:
- Ah, mas se eu for colocar a cama aqui, não vai dar para abrir o armário porque vai bater no quadro (detalhe: no "meu" quarto não há quadros)
- Não, pai, você pode colocar o armário ali, uma cama aqui e a outra ali (detalhe, meu quarto só tem uma cama)
- É... talvez dê certo.
E saíram.

Alguns minutos se passaram e os dois voltaram com uma régua.
- Xiii... acho que não vou fazer isso hoje não. Preciso estudar tudo isso direito porque acho que não vai dar muito certo.
- Tá bom. Depois a gente vê então.

Nenhum dos dois me dirigiu a palavra. Nem sequer para explicar o que estavam fazendo com esse cômodo que eu costumava chamar de "meu" quarto.
Minha irmã voltou mais tarde. Deitou na minha cama.
Perguntei o que eles estavam pensando em fazer, que mudança era essa que eles estavam programando.
Ela respondeu: "a gente ainda não decidiu". E saiu do quarto.

PQP!!!!
Fiquei puta da vida. Eles vão, certamente, transformar meu quarto num depósito de móveis, colocar um quadro horrível na parede (o gosto do meu pai para quadros é terrível) e ninguém se dignou a perguntar minha opinião. Nem sequer me informaram sobre a tal mudança. Provavelmente minha irmã vai roubar meu armário, que é maior que o dela, com o argumento de que eu não moro mais lá e portanto ela tem mais direito. Vai tirar minha mesa e deixar meu computador jogado em algum canto (há duas semanas atrás ela pegou minha televisão e levou a velharia dela para meu quarto).

Não emiti uma palavra a respeito. Fechei a porta do quarto e evitei encontrá-los o resto do dia.

Agora a pouco, assisti ao programa da SuperNanny. E chorei feito uma criança.
A família apresentada era composta por um casal convencional (pai trabalhando fora, mãe dona de casa) e 3 crianças. O filho mais novo de 2 anos era tratado como um bebê, com todos os cuidados e excessiva proteção. Os outros dois maiorzinhos eram tratados como monstros insuportáveis. Apanhavam o tempo todo, eram renegados, mal tratados, deixados de lado... nunca recebiam um abraço, nem um tequinho de atenção.

Vi toda minha infância ali, retratada naquela família. Eu nasci quando meu irmão tinha 1 ano. Minha irmã nasceu quando eu tinha 6. Ela sempre foi tratada como o bebezinho da casa, toda protegida... a felicidade da casa (minha mãe fazia questão de dizer que se ela não tivesse nascido sua vida seria muito triste). Eu e meu irmão vivíamos apanhando, éramos tratados como os que atrapalhavam. Meu irmão, para chamar atenção, aprontava, quebrava coisas, xingava minha mãe. Eu maltratava minha irmã, vivia trancada em casa, e chorava... quase o dia todo.

Com minha mãe, a situação só melhorou quando eu saí de casa. Com 17 anos, assim que tive coragem de arrumar um emprego, fui morar na casa da minha vó e viver minha vida longe do inferno que era minha casa. Com o tempo, minha mãe passou a ser minha melhor amiga, minha protetora. Sempre estava por perto, fazia tudo que eu pedia, saíamos juntas para dançar, conversávamos muito...

Com meu pai, a situação nunca mudou. Nunca conversamos. Quando eu era criança, idolatrava aquele cara. Achava ele o máximo e sentia muitas saudades (porque ele vivia trabalhando e nunca estava em casa). Um dia fiquei acordada até tarde esperando ele chegar. Fiquei sozinha sentada na mesa da sala só para vê-lo. Ele chegou muuuuito tarde. Quando me viu, corri para abraçá-lo. Ele me empurrou e me deu uma puta bronca, dizendo que era um absurdo eu estar acordada até aquela hora. Nunca mais tentei me aproximar.
Ele também nunca tentou estar mais próximo.
Eu morria de inveja da minha irmã... ela sempre sentava para jantar com ele, eles sempre conversavam e riam...

Depois que minha mãe morreu, ele se afastou ainda mais. Por algum tempo ele até tentou fazer o papel de pai viúvo. Um dia sentou com a gente (eu e meu irmão) e perguntou porque a gente não falava com ele. De uma maneira autoritária, disse que ele sentia que a gente só o via como uma caixa registradora, que nunca conversávamos, que nem sequer nos conhecíamos. Ficamos absolutamente mudos.
É impossível conversar com ele. Ele é sempre autoritário, arrogante. Nunca demonstra o menor carinho ou interesse pelo que a gente fala.
De tempos em tempos, até tento, pergunto a opinião dele, tento conversar... mas sempre me arrependo... como da primeira vez...

E hoje, mais uma vez, me sinto a pessoa mais rejeitada do mundo. Ele nem sequer me enxerga. Ele considera meu quarto um cômodo para visitas, um depósito de móveis e quadros horrorosos.

Espero que aquelas crianças, aquela família, tenham sido salvas. Porque, como a supernanny disse, as marcas de uma infância de rejeição ficam para sempre.

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