A TPM sempre altera minha vida, meu humor, minhas relações pessoais. Mas dessa vez, não sei... tem alguma coisa diferente.
Ela traduziu e amplificou meus mais profundos sentimentos.
Ontem foi um dia intenso (se pudesse tinha postado diversas vezes, mas não deu... então, aí vai um resumo, em tópicos, como gosto):
1) Quase assassinada por um olharEra aniversário de uma menina do grupo com o qual trabalho. O problema é que ultimamente não suporto sequer olhar para cara dessa pessoa. Minha insatisfação com ela já vem há algum tempo e tem se acumulado dentro de mim - com todas as grosserias dela a mim e a todos em nossa volta, com toda a energia negativa que ela distribui gratuitamente pelo mundo.
Enfim, mais uma vez confirmei que um dos meus maiores defeitos é não conseguir ser falsa. Eu simplesmente não conseguia me imaginar indo desejar "felicidades" àquela pessoa, pior ainda, tendo que abraçá-la. Sei que isso chega a ser falta de educação, mas não fui, não fiz, não desejei, não abracei. Como qualquer outro dia normal, ignorei-a terminantemente, dirigindo-me a ela apenas quando era estritamente necessário. E ela quase me assassinou com seu olhar. Ela tinha certeza que eu não ia deixar de dar parabéns. Mas não consegui e sofri as consequências...
Nessa sociedade em que a gente vive, quem não consegue disfarçar, superar as diferenças para viver/trabalhar em paz com o outro, não consegue viver bem. Tenho plena consciência disso. Mas simplesmente não consigo, nem sequer por educação, ser falsa assim.
Pior ainda, aquele grupo tem me desgastado muito. Estou descontente com vários deles. Com a maioria consigo superar, ser educada, mas não passa disso. Não consigo mais interagir muito, jogar conversa fora, sair para almoçar ou jantar... Meu corpo pede por afastamento. Minha mente se afasta constantemente sem o menor controle.
E vivo cada vez mais isolada.
2) Mais uma vez...Saiu minha nota em Clínica Geral. É a área da Medicina que eu menos gosto, que faço pior, com a qual tenho o pior raciocínio.
Minhas notas nas provas teóricas ficaram na média. Nem das melhores, nem das piores - melhor do que eu esperava.
Mas o que me impressionou mesmo foram as notas de conceito dos ambulatórios. Essas notas são dadas pelos médicos que nos orietam nesses lugares, que nos observaram durante os 3 meses e avaliaram nosso desempenho como médicos. Eu simplesmente tirei as melhores notas entre todos os grupos (no meio de 45 ótimos alunos, ótimos médicos, eu simplesmente fui uma das melhores).
Mais uma vez confirmo aquilo que sei, mas que nunca acreditei inteiramente: que sou uma boa médica, que tenho cuidado, empatia, trato bem meus paciente e tenho conhecimento razoável dos conceitos mais importantes. Tenho uma memória péssima, o que muitas vezes me impede de discutir casos aprofundadamente, saber medicações corretas para situações específicas (o que me faz sentir burra e incapaz). Mas toda essa teoria posso resgatar nos livros, a qualquer momento. Posso aprender.
Agora, a habilidade de tratar bem as pessoas, não sei se isso dá pra aprender. E isso, a faculdade diz que tenho melhor do que a média.
3) Por outro lado...Em oposição ao item anterior, tive uma sensação muito ruim ontem.
Estava lendo o
blog da Rosana e comecei a repensar como tenho tratado meus pacientes, o quanto de empatia, de dar importância para as angústias e medos e dar suporte, eu perdi nesses anos de faculdade. Não perdi completamente, mas perdi muitíssimo...
Meu maior medo se concretizou: me tornei insensível sem perceber.
Ultimamente, percebi que tenho atendido os pacientes demonstrando cansaço, pressa, atropelando o sentimento das pessoas, desconsiderando queixas que EU não acho importantes (como se alguém além do paciente pudesse julgar isso), simplesmente sendo técnica em Medicina.
Tudo que eu tanto criticava nos médicos, na relação médico-paciente dos piores, passei a fazer como se fosse natural.
Quando me caiu essa ficha ontem, meu corpo gelou. Percebi que parte da minha alma estava morrendo.
Claro que considerando a nota de Clínica (tradução da observação dos meus professores quanto a meu desempenho "sentimental" também), a manutenção dessas preocupações e o fato de eu conseguir acordar desse pesadelo "lendo os sentimentos" da Rosana no blog, significam que nem tudo está perdido...
E nem tudo está perdido mesmo! Mandei um e-mail para ela (uma das pessoas que mais admiro) desabafando minhas impressões, contando essas sensações e medos e oferecendo ajuda. Para minha surpresa, ela respondeu: "Você é uma pessoa incrível, vai ser uma médica maravilhosa e sensível", além de outras frases de apoio e suporte.
E hoje, depois que atendi uma paciente, ela veio se despedir e disse: "você é muito simpática, gostei muito de você. Espero que continue sempre assim". Há tempos eu não recebia elogio de um paciente. Há muito tempo eu não me preocupava em conversar de verdade com aquela pessoa, a dedicar aqueles meus minutos aquele ser único com quem deveria interagir e não apenas preencher papéis e medicar.
Sei que ainda não tinha me perdido totalmente, mas já tinha perdido boa parte da minha parte boa. E acho que estou me resgatando, me recuperando, reaquecendo meu coração, aos poucos, de novo.
Estranho é que quanto mais penso e sinto meus paciente, mais tenho vontade de me afastar do meu grupo, das pessoas com quem convivo no hospital; mais tenho vontade de admitir que eles são meros colegas de trabalho...
Vale a pergunta: será que são eles que (diretamente ou não) suprimem meus sentimentos bons e reforçam meu trabalho frio e tecnicista?
4)Resgate do euPara fechar a noite de ontem fui a uma reunião peculiar. Durante o dia, tinha ido visitar minha madrinha e ela me intimou a participar de uma reunião de professores da faculdade de Medicina que ela ia apresentar.
Fui. E, dear God, como encaixou bem no meu dia. Passei minha quarta-feira inteira angustiada com essas questões das minhas relações com pacientes e colegas, questionando meu eu, procurando quem era... e, de repente, tudo fez sentido de novo.
Na apresentação e posteriormente na discussão do assunto foram levantados diversos pontos sobre a faculdade, as angústias dos alunos, as dificuldades que eles enfretam, a maneira como amadurecem. Recordamos momentos importantes desses últimos anos, avaliamos as relações.
Nada acontece por acaso mesmo!
Eu tinha que estar nesse lugar.
E, para minha surpresa, outra mudança que notei em mim (essa muito boa!) foi a postura. Conversei com os professores de igual para igual, sem medos, sem insegurança; não me angustiei em nenhum momento, não tremi, até interrompi quando foi necessário. Postura madura e segura.
Aprendi e reaprendi muito ontem.
Me resgatei mais um pouquinho.
E percebi que o que vale a pena na vida são esses momentos especiais. É esse tipo de relação: eu com a madrinha, com a secretária do programa (que no fim me abraçou e disse: "que coisa, né? a gente vê essa pivetada entrando aqui e logo saindo médicos" com um carinho impressionante, intenso), com pessoas que valorizam as boas relações, que são médicos de verdade e não apenas doutores em doenças...
Uma das melhores noites que passei nesse prédio.
5) Triste?Semana passada, fui surpreendida por algumas pessoas me perguntando por que eu sou tão triste.
Pessoas diferentes, que não se conhecem, em locais diferentes (uma delas foi um paciente). E ontem minha irmã (que não conhece nenhuma daquelas pessoas) fez o mesmo comentário.
Hoje, conversando com um amigo, perguntei:
- Você acha que sou triste? Quer dizer, tenho a aparência de uma pessoa triste
- Hum... às vezes...
- É que ultimamente as pessoas tem me perguntado muito por que sou triste...
- Ué, responde que é porque você ainda é uma estudante, pobre, mora num lugar onde tem que dividir seu quarto com uma estranha,...
- Não tenho namorado, minha mãe morreu... É acho que tenho motivos suficientes para ser uma pessoa triste. Por que não posso, né?
E caímos na gargalhada.
Não acho realmente que eu seja triste. Acho que é mais minha timidez que passa essa impressão. Sou quieta, sou concentrada, meio anti-social, mas não sou triste sempre.
Acho que tenho mais momentos de irritação do que de tristeza, aliás...
6) Para fechar:Hoje sou melhor do que era ontem.
Estou mais calma, mais feliz, mais amável (com quem merece), um pouco mais educada (com quem consigo ser), menos auto-centrada (meu umbigo não é a coisa mais importante do mundo - definitivamente!), mais segura.
Continuo medrosa, anti-social, estourada.
Atendo melhor meus paciente, olho nos olhos, explico com paciência, ouço sem atropelamentos.
Espero não me perder em mim mesma de novo.
Sei que ano que vem vai ser difícil e com certeza vou ter momentos de impaciência e de volta a esse estado de tecnicista egocêntrica.
A única coisa que desejo, é poder perceber quando isso estiver acontecendo. Enquanto eu conseguir perceber, enquanto sentimentos me "tocarem", sempre vou poder acordar desses pesadelos, me resgatar.