sábado, 31 de maio de 2008

Claaaaaro que deveria estar estudando... Mas não estou. Não abri o livro sequer por um segundo hoje.
Se me sinto culpada?
Claro! Sou pressionada a estudar a cada 5 minutos de folga que tiver, no fim de semana inteiro (quando não estiver de plantão), durante as madrugadas...

Mas não me arrependo. Fazia tempo que não me sentia tão cansada. Precisava de um tempo para mim hoje.

Essa semana morreu uma tia minha. Irmã da minha vó. Eu não tinha muito contato com ela, mas simplesmente me ligaram avisando que eu era a parente mais próximas apta a cuidar da burocracia. Fiquei desesperada.
Ela nunca se casou, não tem filhos, suas duas únicas irmãs vivas estão idosas e doentes. Meu tios moram em outras cidades. Meu pai tinha acabado de pegar um avião para o sul. Meu irmão sumiu.
E eu estava no hospital, com um monte de responsabilidades, com minha paciente com a barriga aberta (não que eu fosse importante para a cirurgia dela, mas eu queria estar lá... eu prometi que estaria...). Entrei em parafusos. Desespero total.
Mas no fim, depois de muito estresse, muitos cabelos arrancados, muitos telefonemas... consegui participar da cirurgia, depois fui liberada e resolvi as coisas (com ajuda de um adulto responsável, claro). Mais foi muito estressante. Momentos de tensão absurda.
É muito difícil virar gente grande.

E tudo acabou com minha vó deprimida, um pouco mais surda que antes (???) e com piora da coréia que ela tem por efeito colateral das medicações que toma. Fico preocupada, mas não sei o que fazer...

Fui para enfermaria hoje de manhã (sábado, sim!). Para minha felicidade (claro que estou sendo irônica) os residentes resolveram trocar de estágio justo antes do fim de semana - todos eles juntos. Estava eu lá, interna perdida, a única que conhecia os casos (conhecia os meus - os outros 8 eu sabia muito mal e porcamente), tentando explicar para os perdidos "more" quem era quem e porque tal prescrição era de tal jeito, tal controle estava assim ou assado, tal dreno estava sem vácuo, tal paciente tinha trocado de leito etc etc etc. Justo eu... (sem falar que deixei todos eles irem embora e esqueci - simplesmente esqueci - de perguntar umas 4 coisas que faltavam... quando lembrei, estava eu sozinha na enfermaria, sem carimbo e sem um cérebro adequado, para resolver os problemas dos pacientes - saí correndo pelo hospital na esperança de encontrar uma boa alma, um bom cérebro com um carimbo que se dispusesse a me ajudar sem me dedurar para os residentes depois).


Cheguei em casa (quase não cheguei porque simplesmente morri ao entrar no ônibus e quase perdi o ponto), caí na cama e só acordei às 18h, com o telefone tocando. Fiquei assistindo tv, lendo meu livro, conversando com minha vó...

E depois entrei no orkut e fiquei fuçando algumas comunidades de colégios onde estudei e pessoas que conheci há muitos anos.
É incrível como as coisas mudam, né?!
Quando era pequena, do maternal à 4ª série estudei num colégio muito bom (na época), mas muito caro. Saí de lá porque meus pais não podiam mais pagar. Mas antes de sair, minha mãe foi conversar com o diretor para pedir uma bolsa de estudos para nós. Afinal, eu era uma aluna razoável, nunca dei problemas para o colégio (não se pode dizer o mesmo do meu irmão, mas enfim)... O diretor recusou a bolsa, dando a entender que não éramos alunos em quem valia a pena investir.
Minha mãe ficou muito chateada na época. Eu, apesar de criança, fiquei com muita raiva e, de certa forma, entendi aquilo como um "você não é e nunca será boa o suficiente".
Fui para um outro colégio. Periferia total. Mas muito mais educativo. Fui bem recebida e bem tratada. Tenho amigos de lá até hoje.
No colegial, fui fazer técnico em outro colégio. Mais central, mais desorganizado, menos educador. Eu era a melhor amiga da melhor aluna da época. Ela até ganhou uma medalha de ouro no final do 1º colegial por ser tão boa e dar tanto orgulho para o colégio. E eu, na mesma cerimônia, ganhei uma caneta branca (daquelas que vendem em camelô, sabe?), só para não ficar chato. Afinal, nós duas estávamos sempre juntas, fazíamos trabalho juntas, o projeto que fez sucesso na época foi liderado por nós duas. Mas ela era mais talentosa, mais inteligente, mais simpática, mais popular. E eu, uma sombra...

Olhando para tudo isso hoje, me orgulho de mim, de até onde consegui chegar. Eu tinha potencial para ser apenas uma pessoa comum de classe média baixa, com um currículo mediano (faculdade particular sem vestibular, curso medíocre, trabalho braçal, emprego-desemprego para o resto da vida).
Mas venci.
Vou me formar médica o ano que vem, em uma das melhores faculdades do país, seguir uma carreira boa, sem nunca ficar desempregada, sem ter que me submeter a entrevistas humilhantes de empregos e chefes abusivos.
Sem ter me formado ainda, tenho um ótimo currículo, alguns trabalhos internacionais publicados, participações em congressos, organizações de eventos nacionais...

E os outros do passado, como estão hoje?
O colégio que me recusou como bolsistas é atualmente um dos piores da região, mas continua cobrando caro. Poucos alunos que se formam lá fazem faculdade de qualidade, a maioria cai na vida para se virar. A melhor aluna da minha sala naquela época (para quem nunca recusariam uma bolsa) virou crente, casou com um pastor e vive disso.
Aquela minha amiga que ganhou a medalha, considerou-se boa demais para ficar estudando para prestar vestibular, teve muitos problemas sérios na vida, ainda não conseguiu se formar numa faculdade meia-boca onde conseguiu entrar e está prestes a se casar com um traste com o qual ela namora há 5 anos (ele não estuda, não trabalha, vive de "bico" e dependente dela). Até hoje é minha amiga e sempre que me vê ela diz "falo todos os dias para minha irmã menor se espelhar em você e nunca em mim... se eu pudesse voltar no tempo seguiria seus conselhos, seu exemplo... como fui burra".

O mundo dá volta.
Nada como a força de vontade, a superação, a perseverança para nos ajudar a crescer, a melhorar, a provar para nós mesmos que não somos tão ruins como os outros tentam fazer a gente acreditar.

Nenhum comentário: