sexta-feira, 2 de maio de 2008

"The game, they say a person either has what it takes to play, or they don't. My mother was one of the greats. Me on the other hand, I'm kind of screwed.
[...]
I can't think of a single reason why I should be a surgeon, but I can think of a thousand reasons why I should quit. They make it hard on purpose. There are lives in our hands. There comes a moment when it's more than just a game, and you either take that step forward or turn around and walk away. I could quit but here's the thing, I love the playing field."
(Grey's Anatomy 01x01)

É incrível como sentimentos podem ser retratados tão fielmente numa série de tv. Isso é arte!
I'm kind of screwed too. Eu me sinto assim constantemente. Eu também não consigo pensar numa única razão pela qual eu deveria ser médica, que não exista em outras profissões. E consigo pensar em centenas de razões para desistir...
Hoje recomecei a assistir Grey's. Tenho todas as temporadas guardadas em casa porque sabia que um dia (ou várias vezes) eu iria ver novamente e ia sentir diferente.
Agora que passei para o outro lado (saí da parte teórica e me tornei uma "quase médica", uma interna), todas as situações desse seriado tem um significado diferente. Antes eu via, imaginava se aquilo um dia aconteceria comigo e hoje... ah, hoje... sou eu quem tenta passar um acesso venoso, fura o paciente várias vezes e não consegue, sou eu que tenho que acordar o residente porque não sei passar um cateter central que o paciente precisa, sou eu que levo bronca de enfermeira por "comer bola" ou (não) fazer algo que para ela é tão óbvio (como jogar um frasco de vidro inutilizado no lixo comum, ao invés do lixo para pérfuro-cortantes - óbvio!), sou eu quem esquece de colocar na prescrição o remédio que o residente pediu e insitiu tantas vezes, que acaba fazendo procedimentos que meus colegas queriam (mesmo o paciente sendo meu) e eles ficam bravos (mas depois sempre entendem e aceitam)...
É tudo tão parecido... tantas situações que vivo e que saio me sentindo uma retardada, uma idiota, uma burra, uma malvada... e que estão retratadas num seriado de tv de forma tão parecida. Me faz sentir menos burra. Se está num seriado é porque todos passam por isso para aprender.
Todos aqueles médicos fodões que fazem pose de "sempre soube tudo e você é um idiota", que falam conosco como se tudo fosse tão óbvio, que nos exigem tanto... eles já passaram por isso, eles já foram internos idiotas que não sabiam a topografia do canal inguinal ou a anatomia do pescoço para passar um cateter central, ou mesmo como manter uma criança parada para fazer um exame especular em seu ouvido.
Pensar nisso me faz sentir melhor, tão mais tranquila, tão menos estúpida. Assistir a esse seriado me faz sentir parte do mundo e me dá forças para continuar. Me dá vontade de estudar, de prestar mais atenção, de conversar mais com os mais velhos sobre minhas dificuldades e angústias. Afinal, eles já passaram por isso.

Na faculdade de Medicina, o clima fake que tenta se manter é que todo mundo sabe muito, que nasceram sabendo, que ninguém nunca erra, que todo mundo tem muito talento para aquilo... que ninguém sofre, que ninguém dorme, faz cocô... que ninguém ama.

Com certeza, Meredith, há uma razão para eles fazerem tudo tão difícil de propósito. Estamos lidando com vidas, com pessoas cheia de histórias, angústias, medos, dores, vontades, sonhos. O paciente não é uma prova prática diária, na qual você precisa ser aprovado para passar para o próximo estágio. Às vezes, é assim que a gente os enxerga, inconscientemente. Exigem tanto da gente em conhecimento, em postura, em mostrar que sabe tudo, que esquecemos que estamos lidando com pessoas... pessoas exatamente iguais a nós.

A dificuldade da Medicina, o maior aprendizado que a gente tem que adquirir (que eu tenho que adquirir), apesar de todas as dificuldades, das angústias, da falta de tempo, da vontade de fazer xixi, do cansaço, da fome, da insegurança... é conseguir atender bem o paciente, entendê-lo e ajudá-lo, unindo nosso conhecimento com nossa percepção e nosso sentimento.
Meu maior desafio nesse internato, é aprender a evoluir um paciente bem, realmente cuidar dele, apesar de saber que daqui a pouco tem visita com o assistente fodão e que ele vai me perguntar detalhes que eu não vou saber responder, que ele vai me humilhar, que ele vai me massacrar. Entender que não adianta ficar com a cara no livro tentando prever quais serão as perguntas que eu vou errar, que é muito mais válido sentar ao lado do paciente e entender sua história e descobrir quais são seus medos e seus sonhos, saber o que o está incomodando mais e tentar ajudá-lo.
A matéria será aprendida de qualquer forma. Conhecimento é essencial, mas, se formos analisar profundamente, veremos que é o mais fácil de se adquirir.

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