segunda-feira, 5 de maio de 2008

Hoje tive discussão de Bioética. Discussão orientada depois de uma reunião inesperada que também tratou do assunto. Assunto esse tão renegado, evitado, excluído...

Sempre que tenho essas discussões (pelo menos 1x por mês por determinação da Graduação), minha cabeça vai a mil. Ao mesmo tempo que me angustia falar nesses assuntos pesados, me alivia por saber que posso falar em algum lugar (ou pelo menos ouvir como geralmente faço - por opção, por falta de vivência).

Discutimos alguns casos de pacientes graves que não sabem do diagnóstico, o que fazer quando a família pede para não contar, o que fazer quando você tenta contar e o paciente não quer entender, ou mesmo quando o médico não quer contar ou pede para que escondamos ou, pior, para que a gente minta (nós, como internos, seguimos ordens - na medida do aceitável, claro - mentir para o paciente é algo que eu não aceitaria fazer).
O médico mais velho estava nos contando de experiências que ele teve com pacientes que estavam para morrerm e a dificuldade de lidar com o diagnóstico, mas a dificuldade maior de lidar com as dúvidas, angústias e medos do paciente e da família.
Falamos sobre um caso atual de uma paciente de um colega meu que não sabia que tinha câncer. Ela não sabia, os médicos não esclareceram, a família não tinha muita noção do que estava acontecendo e meu colega, interno como eu, novinho em folha, perdido... não sabia o que fazer.
A orientação desse professor mais velho foi: siga a instrução do serviço. Se você quer contar e os médicos assistentes do lugar onde o paciente está te autorizam a contar, você conta, conversa, tenta tirar as dúvidas. Mas, se os assistentes te orientam a não contar, ou não dão muita atenção, é melhor não se meter.
Fiquei pensando: mas o paciente tem o direito de saber o que está acontecendo com ele, nossa obrigação como médicos é contar. E o professor respondeu, sem que eu perguntasse: nós somos internos, a gente passa 10 dias, no máximo 1 mês, em cada serviço. Já pensou se meu colega vai lá e conta para a paciente que ela tem um câncer. Por mais que ele explique, tire as dúvidas dela no momento, no dia seguinte, quando outras dúvidas aparecerem, quando ela tiver feito um exame que veio uma coisa esquisita e ela não entendeu, quando a filha dela quiser conversar com o médico para saber melhor... meu colega já não vai mais estar lá. Se os assistentes não estão dispostos a fazer esse papel, a paciente vai ficar lá com suas dúvidas, isolada, angustiada, sem ter o que fazer. E meu colega, com sua consciência tranquila por ter cumprido sua obrigação, vai estar em outro andar do hospital, atendendo outro paciente sem sequer imaginar o que está acontecendo com o anterior. Se sairmos por aí, nós como internos rotativos, contando para todos os pacientes seus diagnósticos, poderemos estar causando mal àquelas pessoas. Poderemos, com a melhor das boas intenções, estar prejudicando aquele paciente, os familiares e até os médicos do serviço. Nós não temos condição de acompanhar o paciente, portanto, não temos condição de fazer algo de tamanha responsabilidade como contar um diagnóstico.
O melhor a se fazer nesses casos, é conversar com os médicos responsáveis pelo caso, explicar que o paciente não sabe, o que ele quer saber e tentar convencê-lo de contar, estando a gente junto ou não. Mas garantir que aquele paciente vai ter um suporte depois quando passar o choque e vierem todas as outras dúvidas e angústias.

Uma outra coisa que falamos e sobre a qual eu poucas vezes tinha pensado, é sobre a importância da esperança. O professor contou um caso de um tio dele que tinha câncer. Ele, médico, o levou no melhor especialista que ele conhecia, fizeram todos os exames e concluíram que não poderia ser curado, que só poderiam fazer tratamento paliativo e dar assistência ao paciente na evolução da doença. A tia desse meu professor, esposa do paciente, desesperada, resolveu que ia pedir outras opiniões. Consultou alguns médicos que disseram a mesma coisa. Até que um dia ela encontrou um que falou que poderia curá-lo. O charlatão disse que faria uma cirurgia para tirar o tumor e que o paciente ainda ia viver muitos anos.
Charlatão mesmo.
O tal fez a cirurgia, cobrou rios de dinheiro e, no final, disse que a doença tinha afetado o outro lado do cérebro e não dava para abrir de novo etc etc etc.
A viúva pobre, ao contar o caso anos depois disse que se pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo, igualzinho, e daria todo dinheiro dela para o tal charlatão de novo, mesmo sabendo que ele é charlatão. Por quê???
Porque ele foi o único médico que lhes deu esperança. O paciente morreu do mesmo jeito, em pouco tempo, mas morreu sabendo que lutou tudo que podia, morreu com esperança.
Não estou dizendo que enganar paciente é bom. De maneira nenhuma. Acho que um charlatão desse deve ir preso! Mas acho que essa história nos deve ensinar a, mesmo dando notícia de uma doença terminal, nunca acabar com a esperança do paciente. Nunca dizer "o senhor vai morrer daqui a 2 meses". A gente não tem como prever isso. As estatísticas mostram que os pacientes com a doença tal vivem em média 2 meses. E daí? Estatísticas não servem para nada quando se trata de individualidade, de uma pessoa. Aquele paciente pode tanto morrer dali a 2 horas atropelado por uma moto quanto viver 2 anos. Não dá pra prever.

Moral da história (só como registro para o dia em que eu for uma má médica, poder reler isso e repensar minhas atitudes): não se preocupar só com a notícia, com a informação a ser passada para o paciente, mas também com suas angústias, medos, expecativas que vão vir depois; saber que tipo de ajuda o paciente quer, o que ele espera da vida dele dali para frente e o que ele espera de nós; nunca acabar com a esperança (ela é algo de mais precioso que um paciente tem); nunca determinar o tempo de vida - só Deus sabe.

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