sábado, 14 de junho de 2008

Hoje percebi que não. Não nasci para ser cirurgiã, não estou disposta a ter essa vida, eu simplesmente não caberia nesse mundo.

Aprendi da pior maneira que para ser um cirurgião, você precisa colocar sua carreira profissional em primeiro lugar (acima de sua família, de seus amigos, de você mesmo, de qualquer outra coisa/pessoa, inclusive de seus pacientes). Além disso, você tem que aprender a não se importar com o prejuízo/chateação que você causa para os outros por causa da sua profissão. Tem gente que nasceu não se importando mesmo... mas para os que se importam minimamente, se não aprenderem a parar de se importar, serão infelizes para o resto da vida, continuarão mantendo os outros ao seu redor infelizes e, ainda por cima, serão cirurgiões ruins.

Falando assim até parece uma coisa horrível, absurda. Mas as pessoas passam a concordar com isso quando pensam em si mesmas como pacientes. Imagina só, por exemplo: você é submetido a uma cirurgia por apendicite. Um procedimento razoavelmente simples, mas de urgência e que envolve riscos. Você é operado por um cirurgião que você gosta e confia, é internado num hospital bom, tudo certo, mas você não conhece nenhum outro médico do lugar. De repente, às 23h da noite você tem uma hemorragia, começa a sangrar horrores. Qual a primeira coisa que você vai pedir? "Chamem o dr. fulano, rápido, quero que ele esteja aqui se acontecer qualquer coisa". Não importa se hoje é aniversário do filho dele, ou se ele combinou de jantar com a esposa dele, ou se ele está cansado depois de um dia inteiro de trabalho. Não importa se ele se comprometeu a ajudar seu primo ou se ele vai ter que pegar o carro de seu vizinho doente emprestado porque o dele quebrou (e se o vizinho tiver alguma intercorrência vai ter que chamar uma ambulância e rezar para ela chegar antes dele morrer). Nada importa. É a sua vida que está em risco e você e todos os seus familiares vão querer o melhor atendimento do médico em quem mais confiam. Ponto final.
Sendo assim, cada paciente que o dr. fulano atende, se ele for bom, vai querer ele sempre por perto para que ele resolva eventuais problemas, principalmente os mais sérios. Hoje é você. Amanhã é o João, no dia seguinte o José, depois a Maria, o Pedro, a Vanessa, o Augusto, o Frederico, a Ofélia, a Neusa etc etc etc.

Não nasci pra isso. Não estou disposta a prejudicar outras pessoas para me dar bem na minha carreira (o prejudicar não faz parte do meu exemplo, apenas algo do qual fui vítima hoje). Não estou disposta a largar meu filho doente em casa para resolver o problema de outra pessoa.
Sim, escolhi ser médica e terei que fazer isso eventualmente independente da especialidade que escolher. Mas, pelo que tenho vivido esses meses, cirurgião faz isso (largar tudo e todos para resolver algo relacionado a sua carreira/seus pacientes) pelo menos 3 vezes por semana. Pelo menos...

Menos um problema na minha vida. Mais uma coisa para aprender: como conviver com meus amigos futuros cirurgiões, ser prejudicada e/ou ferida por eles, e aceitar, e perdoar...

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