segunda-feira, 23 de março de 2009

Desespero

Estava conversando com um senhor hoje sobre o treinamento militar.
Ele estava me contando como ele acha absurdo certos treinamentos de certas equipes de profissionais no serviço (não sei como ele conhece detalhes).
Ele me disse: "eles são ensinados a não ser mais humanos, matam com prazer, com um sorriso no rosto... se eu matasse uma pessoa, acho que me desesperaria, enlouqueceria, sei lá, não ia aguentar a sensação... mas esses caras não, eles aprendem a matar com gosto, a viver atrocidades, precisam deixar de serem humanos para cumprir sua profissão, para exercer bem suas funções..."

Enquanto eu o ouvia, pensava em mim, na minha profissão. Sinto que também sou ensinada a não ser mais humana. Não mato. Nem com gosto nem sem. Mas lido com a morte como se fosse banal, diariamente. Cometo atrocidades às vezes e vejo os médicos mais velhos cometendo mais ainda. Como se a saúde fosse um bem material que pode ser comprado, vendido e encontrado em qualquer camelô. Damos encaminhamentos para UBS para pacientes que a gente sabe que não vai receber tratamento nenhum simplesmente porque o sistema não comporta. Não temos o que fazer. Batemos a porta na cara do paciente e passamos para o próximo.

Estou seriamente precisando de um psicólogo.
Acabo de terminar meus estágios de Pronto Socorro e simplesmente não consigo lidar com tudo que aconteceu nesses 3 meses. Estou destruída por dentro, em cacos. Fiz absurdos que nunca imaginei que seria capaz (às vezes por não saber, às vezes por não ter a supervisão adequada, às vezes consciente mas sem outra alternativa).
Ajudei poucos, fui indiferente para muitos (aquela história de dar um sintomático e mandar para casa porque PS não é lugar de fazer diagnóstico), prejudiquei alguns.
E não consigo esquecer. Não consigo evitar de pensar quantas pessoas morreram logo depois de passar pela minha mão. Quantas vezes fui negligente e nem sei? Quantas vezes fui inconsequente?
Não consigo esquecer o rosto do sofrimento do abandono, do desespero, da dor incurável, do medo, as vidas se esvaindo tão perto.
Dói. Uma dor profunda. Que não passa.

Consegui deixar essa minha semana livre. Não vou atender nenhum paciente. Nesse momento, no nível de estresse em que estou, represento um perigo para qualquer um. Isto posto, estou tentando me refazer, colar os caquinhos.
Mas não sei como me recuperar... não sei como lidar com esses fantasmas que me rondam. Me sinto enloquecendo.

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