No meu último dia de estágio na Obstetrícia, tínhamos que ver os pacientes da enfermaria, depois passar visita com o médico assistente (que apesar de carregar esse título de "assistente" é, na verdade, o responsável por tudo - é o topo da cadeia alimentar com quem nós, simples internos, temos contato), depois estaríamos liberados (umas 10h da manhã).
Cumpridas as devidas obrigações, meus colegas desse grupo foram para suas respectivas casas para descansar e eu, sozinha, resolvi dar uma passada pelo Pronto-Socorro (PA) e pelo Centro Obstétrico (CO) (onde acontecem os partos) para ver como estavam as coisas por lá.
Quando cheguei, fiquei impressionada com a zona. No CO tinha apenas uma médica Assistente, no PA tinham 2, estava "bombando" de pacientes nos dois lugares e os internos escalados para estarem lá (em número de 4) estavam correndo de um lado para outro tentando atender e ajudar no que podiam. Para minha surpresa, uma das Assistentes de plantão no PA naquele horário era a minha preferida, alguém que adoro. Resolvi ficar lá, até a hora do almoço pelo menos, tentando ajudar no que podia e aprendendo um pouco mais com aquela médica tão "crazy".
Em meio à confusão, ia acontecer 2 curetagens e 1 parto normal. Eu nunca tinha conseguido fazer curetagem (sempre meus colegas iam na frente) e eu até queria fazer o parto... Conversei com os internos que estavam lá, apenas um estava disposto a entrar na curetagem mas ele já tinha feito 4, então... Troquei de roupa, fiquei lá por perto e na hora... amarelei... caguei nas calças... dei pra trás... saí correndo e pedi que o outro interno entrasse - disse que eu ficaria apenas assistindo.
Fiquei lá, de idiota, assistindo a curetagem, sem poder fazer nada, vendo a Assistente ensinar tudo para meu colega que já sabia e eu, idiota, sem saber nada daquilo.
Fiquei puta comigo mesma, não me conformava, não podia acreditar no que tinha acabado de deixar de fazer... Acabada essa curetagem, entrou a segunda em seguida, e desta, nenhum interno estava disposto a participar... Fiquei lá rondando, mas... também não tive coragem de entrar... Fugi.
Não sei o que eu estava sentindo. Não sabia o que era aquele medo paralizante. Senti isso muitas vezes durante esses 3 meses de internato e fiquei sem aprender muita coisa por causa disso. Idiota. Estúpida. Fiquei pensando no assunto, conversei com uma amiga do 6º ano que também tem uns repentes de medo assim... decidi que tentaria fazer diferente nas próximas vezes, que tentaria enfrentar... Enfim... as oportunidades na Obstetrícia haviam acabado mas a Gineco estava ali, prestes a começar.
Beleza. Sexta-feira, primeiro dia de estágio na Gineco, fui sorteada junto com uma amiga para começar no Centro Cirúrgico. As outras opções eram o Pronto-socorro e o Ambulatório... se tivesse que escolher, teria mesmo ficado no CC porque é bem mais legal. Entramos numa cirurgia que já estava no meio, pediram para que uma de nós entrasse para instrumentar. Na hora, sem pensar, apontei para minha amiga e disse "pode ir você". Ela entrou, ficou lá, sendo humilhada pelos cirurgiões escrotos presentes (alguns deles, tratam a gente muuuito mal, principalmente quando cometemos qualquer errinho - e sempre cometemos porque simplesmente não entendemos nada daquelas cirurgias, não conhecemos direito os instrumentos, seus nomes, quando usa qual, que tipo de fio vai precisar etc etc etc).
Quando acabou, fomos avisadas que outra cirurgia iria começar em seguida. Só que já eram 16h50, a previsão é que durasse até às 19h e eu tinha planejado de ir viajar para casa do meu pai naquela noite. Se eu saísse depois das 18h, não conseguiria viajar. Falei com minha amiga, ela se dispos a entrar nessa segunda cirurgia também e eu só ficaria olhando e "fugiria" no meio.
Óbvio que meu medo influenciou nessa decisão de ir embora. Eu podia muito bem viajar no sábado pela manhã. Não seria a mesma coisa, não era o que eu tinha programado, não era o que eu queria, mas aquele aprendizado valia o sacrifício (principalmente nesse estágio que será tranquilo, sem plantões, nem atividades em fins de semana / feriados). Mas... fugi... mais uma vez.
No caminho até a casa do meu pai, vim pensando no que podia ser esse sentimento tão ruim, que me paraliza, que me faz evitar de fazer as coisas, que me impede de arriscar.
Cheguei à conclusão de que isso não é exatamente medo. O problema de fazer essas atividades (como um parto por exemplo) é estar me expondo aos erros. Se fico de fora, apenas assistindo, o risco de eu cometer algum erro, fazer alguma besteira é obviamente muito menor (mas ele continua existindo) do que seria se eu estivesse "com a mão na massa".
E o problema do errar, do fazer besteira, não é necessariamenteo medo da bronca do professor (que sempre vai vir e VAI SER horrível). O grande, enorme problema, é que depois não consigo lidar com minha cobrança, com meu sentimento de frustração, com essa sensação de ter falhado, de ser uma interna ruim, de não ser perfeita...
Quando chego em casa, depois de um dia em que essas coisas aconteceram, desabo, não consigo dormir, me sinto sozinha, chamo pela minha mãe (ah, como eu gostaria de ouvi-la dizer mais uma vez "deixa de ser ridícula menina! qual problema de ter errado, qual problema de não ter conseguido dessa vez? Agora você já aprendeu! da próxima vez talvez vai errar de novo, mas um dia você vai saber tanto quanto seus professores e vai ensinar menininhas mais novas como você - aí você vai perceber que o erro dos mais novos e, consequentemente os seus atuais, não é nem um pouco grave, não causa mal a ninguém e vai perceber que no dia seguinte, ninguém mais vai lembrar do que aconteceu - mesmo porque, vem outro tonto como você e comete outros erros estúpidos assim. Não adianta nada você ficar aí sofrendo, se auto-mutilando, se fazendo de coitada. Levanta e vai fazer alguma coisa útil da sua vida, vai!).
E aí, em dias assim, ao invés de estudar, me dedicar mais para errar menos, deito na cama bem cedo, sem ter comido nada, fico jogando joguinhos que não exigem neurônios e ouvindo músicas até conseguir pegar no sono...
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