quarta-feira, 12 de março de 2008

Hoje aprendi...

Passei duas semanas no centro obstétrico e não tinha aprendido muita coisa. Passamos muito tempo ocioso, os médicos mais velhos não dão a mínima atenção pra gente, ficamos largados à própria sorte (ou falta dela, como no meu caso).
Na verdade, eu estava lá "desaprendendo" Medicina. Ontem, por exemplo, atendi uma gestante com gripe e simplesmente esqueci de examinar a garganta dela. Básico do básico do básico. E eu "comi bola", deixei passar porque tudo que faço ultimamente é examinar a barriga e o bebê que está dentro – os obstetras de lá simplesmente ignoram que as gestantes têm outras partes no corpo além do barrigão. Sem falar nas inúmeras vezes que fui obrigada pelo médico assistente a encaminhar paciente com otite para a clínica médica ou para a otorrino. Como eles podem não saber diagnosticar e tratar uma simples otite???
Mas hoje, último dia lá, aprendi algo que nunca vou esquecer; aprendizado para a vida toda. Estávamos com uma única paciente em trabalho de parto. Um único possível parto para acontecer num dia inteiro (12 horas) de trabalho. Avaliamos a tal mulher, estava com 6 cm de dilatação (geralmente aumenta 1cm a cada hora e a criança nasce quando atinge os 10cm). Orientamos para que ela tomasse um banho (para ajudar no relaxamento e na descida do bebê) e a levaríamos para anestesiar em seguida. Aí, resolvi dar um passeio no Pronto Atendimento (que fica do lado). Passei pelo quarto da parturiente ela estava urrando de dor (todas elas gritam muito nesses momentos que antecedem o parto). Olhei, ela estava lá deitada... paciência... íamos anestesiar em seguida, mas no momento não havia nada que eu pudesse fazer por ela. Saí.
10 minutos depois aparece uma colega minha com uma cara de assustada: "Vocês perderam o parto, a criança já nasceu... assim de repente... na cama mesmo...". Saí correndo. E descobri que aquele grito de dor que ouvi, era a criança saindo. Exatamente naquele momento em que passei em frente ao quarto.
Putz... eu não tinha como advinhar... A criança estava "programada" para dali a 3 ou 4 horas. E simplesmente decidiu que ia rasgar a mãe dela e sair assim mesmo, de repente. Mas eu tinha que ter parado para conversar com ela. Era minha obrigação ir ver de perto o que estava acontecendo... ninguém vê uma pessoa gritando assim e ignora, em lugar nenhum do planeta, em situação nenhuma.
Me senti péssima. Como pude ignorar o grito de dor da mulher, como pude deixar ela lá sozinha naquele momento??? Todo mundo ao redor disse que eu não tive culpa, que eu não tinha como advinhar, que não dá para dar atenção a cada grito de cada mulher (pela manhã tinha uma outra gritando exatamente na mesma intensidade e era pela dor das contrações, não tinha nenhum bebê saindo de lá). Mas não me conformo... não acredito que fiz isso. Tudo bem que tinha pelo menos 2 médicos lá por perto, mais um milhão de enfermeira... e se eu estivesse lá, a criança teria nascido do mesmo jeito, teria rasgado a mãe exatamente da mesma forma... eu não teria evitado... mas eu poderia ter chamado alguém, poderia ter segurado a mão dela... sei lá... eu DEVERIA ter feito alguma coisa...
No fim das contas, o bebê nasceu bem, gritando tanto quanto a mãe. E eu saí mal, me sentindo a pior pessoa do mundo...

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