sábado, 22 de março de 2008

Cheguei em casa hoje com uma sensação estranha de dever cumprido... Uma sensação muito boa...
Dei plantão noturno. Um plantão muito cansativo para mim e muito tranquilo para minha colega. Como sempre, eu, muito boazinha, deixei ela ir dormir primeiro (geralmente a gente divide a noite), apesar de eu já estar bastante cansada também e morrendo de dor de cabeça. Ela tinha dado plantão na noite anterior sem dormir quase nada... não me custava tanto aguentar meu mal-estar e deixá-la dormir primeiro. Ela foi dormir e eu fui atender as fichas do Pronto socorro.
Às 3h45, como combinado, ela acordou para que eu fosse dormir. Só que tinha acabado de entrar uma paciente na sala de cirurgia que a gente não sabia se ia conseguir fazer parto normal ou se teria que ser cesárea (se fosse normal, independente da hora, eu que deveria fazer; se fosse cesárea, ela). E, claro, como são raras as pessoas no mundo que retribuem um favor, ao invés de ela dizer "Vai dormir um pouco, se eles decidirem que vai ser parto normal, eu te chamo", ela simplesmente me deixou lá, responsável por monitorar a tal paciente até que eles decidissem o que fazer (algo que poderia demorar 1 hora), foi para o PS, onde não tinha mais nenhuma ficha porque eu já tinha atendido todas, deitou no sofazinho que tem lá e simplesmente dormiu. Eu desacreditei naquilo. A pessoa não teve o menor bom senso de perceber que se ela dormisse eu continuaria trabalhando e isso seria totalmente injusto, porque afinal de contas enquanto ela dormia suas 4 horinhas merecidas, eu trabalhava para deixar tudo ok para quando trocássemos.
Mas beleza. Fiquei lá acompanhando a mulher, monitorizando... e nada.
Uns 40 minutos depois ouço uns gritos na ala de observação. Fui lá ver e tinha outra paciente quase expulsando o bebê da barriga sozinha, no meio do corredor. Me lavei, entrei no parto correndo. Eu estava tão cansada que não tinha coordenação nem para enfiar a agulha na pele da moça para costurar. Nem com a ajuda do residente lindo (Que residente! Benzadeus!)...
Saí do parto me arrastando de tão exausta. A outra paciente tinha evoluído para cesárea e minha colega estava lá, ajudando. Às 5h30, quando achei que ia conseguir dormir pelo menos 1h30 (eu estava preocupada de ficar sem dormir porque às 7h, quando acabasse meu plantão, eu tinha metade da enfermaria para evoluir - cerca de 30 pacientes para eu atender sozinha - qual a chance de eu conseguir fazer isso direito, zuada do jeito que eu estava?) chega a enfermeira desesperada: "Interna, interna, tem uma paciente lá no PS com sangramento e não tem ninguém para atendê-la, você pode ir ver?".
Claaaaaaro que posso, né?!
Atendi essa paciente. Nada grave, mas precisava ser examinada e eu não sou autorizada a fazer isso sozinha - eu só posso ir lá e diagnosticar se é urgência ou não (caso fosse, arranjariam um médico sei lá de onde para atendê-la). Ela teria que esperar. Chegou outra paciente, atendi também. Nada urgente. Deixei as duas lá deitadas aguardando um médico para terminar o exame e voltei para onde acontecem as cirurgias.
Quando entro, tinha surgido uma paciente não sei de onde, que já estava na sala de parto, quase com metade do bebê pra fora. Um médico extra chamado às pressas já estava paramentado, com a mesa pronta. Olhei de longe, perguntei se ele queria que eu auxiliasse. Ele fez uma cara de "não precisa, interna, com você aqui só vou demorar mais para terminar", dei graças a deus e saí para ver as duas que tinha deixado lá esperando. Obviamente que enquanto as paciente estivessem lá, eu não poderia deixá-las sozinhas para ir dormir. Fiquei esperando, esperando, esperando... e nada de médicos disponíveis.
Esse segundo parto acabou (a cesárea com a médica responsável por atender os casos do PS ainda rolando), fui atrás do tal doutor extra. Ele olhou para minha cara "é urgência? não? então espera a doutora sair da cesárea porque já tá no meu horário de ir embora". Depois dessa, claro, me conformei que não haveria um minuto de sono e relaxei.
Até que um anjo caiu na terra e veio me salvar. Um médica linda, educada, atenciosa, compreensiva, que pegaria o plantão do dia (que começa às 7h, mas ela milagrosamente chegou às 6h50). Ela olhou pra minha cara, eu com aquele olhar de "me salva que vou morrer" e se dispôs a liberar minhas pacientes.
Passei os casos superficialmente, ela examinou, viu que realmente não era nada demais e mandou as duas de volta para casa rapidamente. Aí ela perguntou o que tinha acontecido comigo e ficamos conversando até meus colegas que pegariam o plantão do dia chegassem e assumissem o pronto socorro.
Desci com aquela minha colega dorminhoca para tomar café, depois voltamos para enfermaria para evoluir nossas paciente.
Enquanto eu estava atendendo a 5ª paciente, para minha felicidade, apareceu aquele anjo novamente, tocou no meu ombro e disse que era ela a médica responsável por passar visita (depois que a gente atende esses paciente, vem um médico e discute todos os casos para definirmos a conduta de cada um - trabalho que pode demorar horas, dependendo do médico que vem). Meu coração pulou de alegria ao ver aquele ser angelical sorrindo pra mim. Enquanto eu ia atendendo os paciente da direita e checando exames, ela e a enfermeira foram atendendo os da esquerda, já dando condutas, prescrições e altas. Terminamos em pouco mais de 2h. Trabalho massante, sem graça, que fiz com prazer por saber que era ela que estava me "supervisionando". Ao terminar a última paciente, a médica falou: "tenho um último pedido pra você por hoje: vai logo embora dormir, vai!".
E eu, feliz e contente, fui para o ponto de ônibus (sim, depois de tudo isso, ainda tinha que pegar ônibus para chegar em casa e encontrar a faxineira dentro do meu quarto, impedindo que eu dormisse). E me senti muito bem por ter cumprido minhas tarefas de maneira minimamente satisfatória, com ajuda de um anjo daqueles!

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