Sabe qual é meu maior medo na vida?
Cair, me machucar e não ter ninguém brigando comigo, querendo passar merthiolate nas minhas feridas.
Ah, como ela me faz falta...
"O que não enfrentamos em nós mesmos encontraremos como destino." Carl Gustav Jung
sexta-feira, 27 de junho de 2008
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Sempre tive dificuldade em lidar com essa função de "interna", com esse papel de estar cuidando/examinando/perguntando, sem ser médica, sem sequer conseguir sanar as dúvidas dos pacientes e dos familiares.
Mas tentava. Me apresentava como interna (sabendo que a maioria dos pacientes não sabe o significado dessa palavra), explicava o que eu sabia, guardava as dúvidas que não conseguia responder para repassar para os médicos e tentava estar por perto, tentava ser o mais parecido possível com uma médica.
E algumas vezes até deu certo. Alguns pacientes e equipe enfermagem até aceitaram minha postura de quase médica, me respeitaram.
Meus piores momentos aconteciam quando chegava o residente ou o assistente e o paciente perguntava tudo de novo (porque obviamente a resposta que dei não era confiável). Pior ainda quando os médicos davam uma resposta diferente. Ou quando eu precisava fazer algum procedimento e vinha alguém atrás e ficava explicando, corrigindo, deixando óbvio que eu era apenas um aprendiz idiota.
E meus melhores momentos? Meus melhores momentos aconteceram quando os pacientes sabiam que eu era uma estudante (quando eles perguntavam o que é "interna" eu respondia e explicava toda a hierarquia e escala de conhecimento) e eu fazia alguma coisa bem feita ou dava uma explicação muito boa.
Meus melhores momentos foram aqueles em que os pacientes me elogiaram, dizendo que eu era muito boa, que estava indo bem nesse quase começo de carreira e que com certeza eu seria uma boa médica.
Pensando nisso, lembrando essas situações, fica claro que o melhor é explicar em detalhes para o paciente quem eu sou e o que estou fazendo lá. Na teoria, isso já era claro, é minha obrigação. É a ética!
Mas na prática, é tão difícil. É muito duro admitir que eu sou só uma estudante, usando aquela pessoa como minha cobaia, que minhas informações não são confiáveis...
Quem sabe agora que consegui perceber que independente de eu admitir isso ou não, os pacientes acabam sabendo, percebendo, sentindo... quem sabe agora que percebi que posso ter uma relação muito melhor com eles quanto mais honesta eu for sobre isso... talvez agora eu possa fazer difente, tentar isso no próximo estágio.
Mesmo sabendo que alguns pacientes vão se recusar a serem atendidos por mim, mesmo sabendo que outros vão me tratar mal, não vão me contar todas as informações... Eles estão no direito deles. E eu, no meu dever.
Mas tentava. Me apresentava como interna (sabendo que a maioria dos pacientes não sabe o significado dessa palavra), explicava o que eu sabia, guardava as dúvidas que não conseguia responder para repassar para os médicos e tentava estar por perto, tentava ser o mais parecido possível com uma médica.
E algumas vezes até deu certo. Alguns pacientes e equipe enfermagem até aceitaram minha postura de quase médica, me respeitaram.
Meus piores momentos aconteciam quando chegava o residente ou o assistente e o paciente perguntava tudo de novo (porque obviamente a resposta que dei não era confiável). Pior ainda quando os médicos davam uma resposta diferente. Ou quando eu precisava fazer algum procedimento e vinha alguém atrás e ficava explicando, corrigindo, deixando óbvio que eu era apenas um aprendiz idiota.
E meus melhores momentos? Meus melhores momentos aconteceram quando os pacientes sabiam que eu era uma estudante (quando eles perguntavam o que é "interna" eu respondia e explicava toda a hierarquia e escala de conhecimento) e eu fazia alguma coisa bem feita ou dava uma explicação muito boa.
Meus melhores momentos foram aqueles em que os pacientes me elogiaram, dizendo que eu era muito boa, que estava indo bem nesse quase começo de carreira e que com certeza eu seria uma boa médica.
Pensando nisso, lembrando essas situações, fica claro que o melhor é explicar em detalhes para o paciente quem eu sou e o que estou fazendo lá. Na teoria, isso já era claro, é minha obrigação. É a ética!
Mas na prática, é tão difícil. É muito duro admitir que eu sou só uma estudante, usando aquela pessoa como minha cobaia, que minhas informações não são confiáveis...
Quem sabe agora que consegui perceber que independente de eu admitir isso ou não, os pacientes acabam sabendo, percebendo, sentindo... quem sabe agora que percebi que posso ter uma relação muito melhor com eles quanto mais honesta eu for sobre isso... talvez agora eu possa fazer difente, tentar isso no próximo estágio.
Mesmo sabendo que alguns pacientes vão se recusar a serem atendidos por mim, mesmo sabendo que outros vão me tratar mal, não vão me contar todas as informações... Eles estão no direito deles. E eu, no meu dever.
terça-feira, 24 de junho de 2008
Sabe o que é pior?
Pior é estar vivendo todas essas coisa, é estar passando por todas essas emoções, sentindo toda essa angústia e não ter ninguém com quem se possa compartilhar, dividir, trocar...
Ninguém que me ouça com atenção, me entenda, me dê suporte...
Tentei conversar com minha colega de quarto, uma das minhas melhores amigas, minha irmã de coração. Várias vezes. E sabe o que sempre acontece? Ela me interrompe e começa a contar algo que ela viveu, que ela está passando e dizendo o quanto ela está angustiada. Eu sempre a ouço, converso, tento tranquilizá-la, partilho de suas alegrias e depois ela sai dizendo que precisa estudar ou fazer algo realmente importante.
Tentei conversar com minha colega de panela. Várias vezes. E ela diz: "isso não é nada, vai passar" ou "pára de se preocupar com isso, você leva algumas coisas muito a sério" ou simplesmente "esquece isso!".
Tentei conversar com meu colega de panela. Mas já comecei apelando: "tô me sentindo tão sozinha... tento conversar com as pessoas sobre coisas que estão me preocupando ou me deixando tristes, mas elas só se preocupam consigo mesmas". E ele até me ouviu por uns 5 minutos, deu um conselho meio nada a ver e saiu para fazer suas coisas.
Tentei conversar com minha madrinha. Sempre ocupada. Sempre falando de si e me pedindo ajuda para alguma coisa.
Tentei conversar com meu residente. Esse sim partilhou da minha angústia e me fez sentir melhor nos 2 minutos que ficou comigo. Mas logo chamaram ele para resolver um problema e simplesmente não conseguimos nos encontrar mais.
Tentei conversar com meu ex, que sempre foi a pessoa que melhor me entendeu, que sempre me deu suporte e sempre esteve a meu lado. E tive que ouvir um: "por que você precisa tanto da opinião das pessoas? por que você não pode simplesmente viver sua vida, fazer as coisas que você acha que é certo? por que você precisa de outras pessoas?". E percebi que o passado é passado e como tal deve ser deixado lá.
Não é que eu precise da opinião, nem da aprovação de ninguém. Faço as coisas sozinha, resolvo meus problemas e os dos outros. Na maioria das vezes consigo e com sucesso. Mas me sinto sozinha e isso é algo que me entristece. Gosto de partilhar minhas alegrias e tristezas, gostaria de poder contar para alguém que passei um catéter central pela primeira vez e fui elogiada, que vi um intestino de paciente com RCU por dentro e como era bizarro, que colhi algumas gasos com sucesso e falhei em outras, que não tenho mais medo de colher sangue. Gostaria de poder ser abraçada quando vi minha paciente dando o primeiro passo para a morte, quando fiquei sabendo que a dona L.D. morreu por algo que talvez a gente agravou, que fiquei brava com meu amigo por ele ter quebrado a mão e que agora estou triste porque ele não fala mais comigo... Enfim, não poderia ser uma pessoa só para partilhar tantas coisas... ou poderia... se me amasse.
Quem me sobra é minha amiguina da casa. Acho que eu nem fazia muita diferença na vida dela antes. Mas com o tempo fui demonstrando o quanto gostava dela e o quanto poderíamos nos divertir juntas e ela foi deixando eu me aproximar. Jantamos juntas sexta e foi tão bom... Não foi tão divertido quanto ela faria ser se houvesse mais gente lá, mas foi maravilhoso. Com ela eu converso, consigo contar algumas coisas (quando temos tempo), ela me conta coisas dela. Quando ela está presente, impressionantemente, aquela minha outra amiga que mora comigo muda, passa a ouvir mais, passa a ser menos egocêntrica. Tadinha... acho que por só ter ela, acabo sobrecarregando-a. Mas pelo menos tenho ela e sou muito feliz com isso.
Pior é estar vivendo todas essas coisa, é estar passando por todas essas emoções, sentindo toda essa angústia e não ter ninguém com quem se possa compartilhar, dividir, trocar...
Ninguém que me ouça com atenção, me entenda, me dê suporte...
Tentei conversar com minha colega de quarto, uma das minhas melhores amigas, minha irmã de coração. Várias vezes. E sabe o que sempre acontece? Ela me interrompe e começa a contar algo que ela viveu, que ela está passando e dizendo o quanto ela está angustiada. Eu sempre a ouço, converso, tento tranquilizá-la, partilho de suas alegrias e depois ela sai dizendo que precisa estudar ou fazer algo realmente importante.
Tentei conversar com minha colega de panela. Várias vezes. E ela diz: "isso não é nada, vai passar" ou "pára de se preocupar com isso, você leva algumas coisas muito a sério" ou simplesmente "esquece isso!".
Tentei conversar com meu colega de panela. Mas já comecei apelando: "tô me sentindo tão sozinha... tento conversar com as pessoas sobre coisas que estão me preocupando ou me deixando tristes, mas elas só se preocupam consigo mesmas". E ele até me ouviu por uns 5 minutos, deu um conselho meio nada a ver e saiu para fazer suas coisas.
Tentei conversar com minha madrinha. Sempre ocupada. Sempre falando de si e me pedindo ajuda para alguma coisa.
Tentei conversar com meu residente. Esse sim partilhou da minha angústia e me fez sentir melhor nos 2 minutos que ficou comigo. Mas logo chamaram ele para resolver um problema e simplesmente não conseguimos nos encontrar mais.
Tentei conversar com meu ex, que sempre foi a pessoa que melhor me entendeu, que sempre me deu suporte e sempre esteve a meu lado. E tive que ouvir um: "por que você precisa tanto da opinião das pessoas? por que você não pode simplesmente viver sua vida, fazer as coisas que você acha que é certo? por que você precisa de outras pessoas?". E percebi que o passado é passado e como tal deve ser deixado lá.
Não é que eu precise da opinião, nem da aprovação de ninguém. Faço as coisas sozinha, resolvo meus problemas e os dos outros. Na maioria das vezes consigo e com sucesso. Mas me sinto sozinha e isso é algo que me entristece. Gosto de partilhar minhas alegrias e tristezas, gostaria de poder contar para alguém que passei um catéter central pela primeira vez e fui elogiada, que vi um intestino de paciente com RCU por dentro e como era bizarro, que colhi algumas gasos com sucesso e falhei em outras, que não tenho mais medo de colher sangue. Gostaria de poder ser abraçada quando vi minha paciente dando o primeiro passo para a morte, quando fiquei sabendo que a dona L.D. morreu por algo que talvez a gente agravou, que fiquei brava com meu amigo por ele ter quebrado a mão e que agora estou triste porque ele não fala mais comigo... Enfim, não poderia ser uma pessoa só para partilhar tantas coisas... ou poderia... se me amasse.
Quem me sobra é minha amiguina da casa. Acho que eu nem fazia muita diferença na vida dela antes. Mas com o tempo fui demonstrando o quanto gostava dela e o quanto poderíamos nos divertir juntas e ela foi deixando eu me aproximar. Jantamos juntas sexta e foi tão bom... Não foi tão divertido quanto ela faria ser se houvesse mais gente lá, mas foi maravilhoso. Com ela eu converso, consigo contar algumas coisas (quando temos tempo), ela me conta coisas dela. Quando ela está presente, impressionantemente, aquela minha outra amiga que mora comigo muda, passa a ouvir mais, passa a ser menos egocêntrica. Tadinha... acho que por só ter ela, acabo sobrecarregando-a. Mas pelo menos tenho ela e sou muito feliz com isso.
Já se passaram 4 dias. Faz 4 dias que saí do hospital, que entrei de férias. E não consigo esquecer, não consigo me desvincular, não consigo seguir em frente.
Minhas férias estão servindo para 2 coisas: estudar para o próximo estágio e conseguir digerir tudo que vivi nesse mês que se passou. Sozinha.
Infelizmente, nesse momento sou médica full time. 24 horas por dia. 7 dias por semana. Penso em Medicina todo tempo, sonho com isso, leio livros sobre isso, assisto seriados na tv e reportagens sobre médicos e suas vidas.
Não sei como uma pessoa pode suportar viver assim, mas enfim... estou feliz apesar de todas essa angústia que carrego.
Não consigo esquecer minha paciente M.R. Uma senhorinha muito simpática. Chegou para nós com diagnóstico de câncer, com muitas metástases. Precisava ser operada porque estava obstruída. Nos primeiros dias em que esteve lá, percebi que ela não tinha idéia de sua doença nem da gravidade. Ela me dizia que tinha uma infecção mas que iam fazer uma cirurgia e ela ficaria curada. Fui, aos poucos conversando com ela, tentando fazê-la entender o que era e o quão grave... Mas ela simplesmente se recusava. Apesar de em alguns momentos ela perguntas, ela querer saber, quando eu começava a contar, ela mudava de assunto, perguntava outra coisa qualquer. Com o tempo fomos conversando com a família, com ela, pedi acompanhamento psicológico e ficou assim. Saí de lá na sexta sem que ela entendesse sequer que eu não voltaria mais. Falei para ela que eu estava entrando em férias e que posteriormente ia para outro serviço e ela respondeu: "tá bom, dra. te vejo depois então, te vejo segunda-feira". Nem insisti muito. Acho que no fundo ela sabia tudo, ela entendia tudo, só não estava pronta para lidar com tudo de uma vez só. Ela queria fazer a cirurgia primeiro, sobreviver, melhorar para depois lidar com a idéia de que precisaria de quimio ou radio ou que não teria muito mais tempo... E provavelmente meu "abandono" no meio daquilo tudo não era algo que ajudaria. Fico pensando agora, como poderia tê-la ajudado melhor, como poderia ter conversado mais... se não poderia passar lá para vê-la essa semana.
Minha outra paciente chegou lá muito otimista, mas com muito medo. Ela não tem nenhuma doença grave e passaria por uma cirurgia eletiva pela qual ela esperava há 3 anos. Mas ela tinha muito medo porque da última vez que ela precisou de anestesia, teve complicações, ficou um tempo em coma e depois que acordou ficou sem mexer as pernas por alguns meses. O maior medo dela era que isso acontecesse novamente.
Desde o começo, fui conversando com ela, tentando entender o que tinha acontecido da outra vez, tentando fazê-la entender que essa cirurgia era diferente e que conhecendo os acontecimentos anteriores outros cuidados seriam tomados.
No dia da cirurgia dela, ela e a família estavam muito tensos. A filha dela, estava em desespero. Sentei, conversei com elas. Garanti a minha paciente que manteria a filha dela informada. Depois, acabei dando o número do meu celular, para que ela pudesse ir para sua casa e me ligasse mais tarde para saber como estava indo a cirurgia. Sei que isso foi um erro muito perigoso, mas não sabia como confortar aquela família. Foi o jeito mais simples que encontrei. Era o que eu gostaria que tivessem feito comigo, se fosse minha mãe.
A cirurgia foi bem, ela voltou para o quarto no mesmo dia. Ela estava evoluindo muito bem, apesar de uma tosse estranha que surgiu no 1ºPO.
No meu último dia lá, à tarde, quando estava me despedindo das pessoas, fui vê-la e fiquei sabendo que ela teve um TEP. Eu não podia acreditar nisso. Não conseguia... Ela estava bem, ela estava com profilaxia, tudo certinho de manhã. E, naquela hora em que fui me despedir, ela mal podia falar com tanta falta de ar, ela mal podia respirar... Fiquei enlouquecida. Questionei os residentes, disse que devia ser outra coisa, vi e revi todos os exames.
Agora fico aqui pensando se eu não deveria ter percebido antes. Fico me perguntando por que não examinei as pernas dela, a procura de uma TVP. Eu sei, minha cabeça sabe que isso não teria mudado nada. Ela provavelmente não tinha uma TVP. Nada que eu tivesse feito ou achado mudaria a evolução, mudaria o problema ou a conduta. Nada. Mas meu coração não sabe...
Queria passar lá para vê-la, para saber como ela está hoje, para explicar para a filha dela tudo que aconteceu...
Minha terceira pacientezinha... ah, como eu a adorava! Ela está lá desde meu primeiro dia. E continua lá após meu último... Não sei se a ajudei em alguma coisa, não sei se mudei seu dia-a-dia de alguma forma. Mas eu quis. E tentei. No começo eu fugia do filho dela a todo custo. Um cara mala, que enfernizava a vida de toda a equipe. Minha sorte é que ele não sabia que ela era minha responsabilidade e eu usava isso a meu favor, para me esquivar. Mas na última semana, resolvi enfrentar. Fui lá diretamente, enfrentei, me apresentei, conversei, respondi suas perguntas tentei ajudá-lo e fazer com que ele nos ajudasse também. Fiz ele entender o quanto a presença dele ali era importante para a recuperação da mãe dele. E isso mudou alguma coisa. Nos primeiros dias após essa conversa, ela teve uma melhora considerável. Ele passou a ficar mais tempo com ela, encheu menos o saco do resto da equipe, tentou efetivamente ajudar. Mas, como isso não é um conto de fadas, como eu sou uma simples interna sem experiência, logo ficou óbvio que o que eu falava para ele, ele ia para algum médico mais velho para confirmar a informação. E não foi necessário muito tempo para ele perceber que minhas informações não eram muito precisas, que o que eu condiserava melhora, não era considerado assim pelos outros médicos, que o que eu considerava uma evolução, eles consideravam estabilização. Fui perdendo toda a credibilidade e deixando de prestar esse papel de informante, já que não estava mais ajudando em nada para a recuperação da minha paciente.
Até que... até que uns médicos mais velhos, que passam por lá uma vez por semana apenas, foram vê-la e acharam que ela estava muito mal, que tinha piorado muito. E mandaram-na para a UTI. Eu e o R2 ficamos tão putos, tão putos.... PQP!!! Eu cuido da paciente de perto, passo para examiná-la no mínimo -NO MÍNIMO- 2 vezes por dia. E um cara que vem vê-la uma vez simplesmente desconsidera nossa opinião e manda ela para UTI, onde com certeza ela vai piorar porque lá ninguém vai tirá-la da cama para caminhar, ninguém vai se preocupar em alimentá-la nem nada assim. Onde simplesmente vão enfiar um monte de tubo nela e deixá-la lá, sendo cuidada por aparelhos e especialistas... até ela pegar uma infecção e morrer de vez.
Eu a via todos os dias, várias vezes por dia. Eu sei que ela piorava muito à noite, que ela sempre acordava muito cansada. Mal. Eu via o quanto ela melhorava de dia. Via sua saturação subir a 99 em ar ambiente, via seu rosto corado e sua animação.
Sim, eu deveria ter prestado mais atenção a esses eventos noturnos, deveria ter tentado mais mudanças (tentamos algumas mas não deram certo), deveríamos ter feito mais e melhor. Mas tive minhas limitações. Não consegui.
E agora ela está lá na UTI. Esperando o pior.
E eu estou aqui pensando nela, revendo meus erros. Sonho com ela toda noite. Simplesmente não consigo me livrar desses pensamentos, dessa angústia. Não consigo.
Por isso que dizem que a gente não pode se envolver com o paciente. Você perde sua vida, sua identidade. É por isso que os mais velhos são tão frios, são tão maus às vezes.
Não quero ser fria como eles, não quero ser má e não quero parar de me envolver porque acho que sou melhor médica quando me envolvo.
Mas também não quero continuar trazendo-os para minha casa, para minhas férias, para minhas noites de sono...
Minhas férias estão servindo para 2 coisas: estudar para o próximo estágio e conseguir digerir tudo que vivi nesse mês que se passou. Sozinha.
Infelizmente, nesse momento sou médica full time. 24 horas por dia. 7 dias por semana. Penso em Medicina todo tempo, sonho com isso, leio livros sobre isso, assisto seriados na tv e reportagens sobre médicos e suas vidas.
Não sei como uma pessoa pode suportar viver assim, mas enfim... estou feliz apesar de todas essa angústia que carrego.
Não consigo esquecer minha paciente M.R. Uma senhorinha muito simpática. Chegou para nós com diagnóstico de câncer, com muitas metástases. Precisava ser operada porque estava obstruída. Nos primeiros dias em que esteve lá, percebi que ela não tinha idéia de sua doença nem da gravidade. Ela me dizia que tinha uma infecção mas que iam fazer uma cirurgia e ela ficaria curada. Fui, aos poucos conversando com ela, tentando fazê-la entender o que era e o quão grave... Mas ela simplesmente se recusava. Apesar de em alguns momentos ela perguntas, ela querer saber, quando eu começava a contar, ela mudava de assunto, perguntava outra coisa qualquer. Com o tempo fomos conversando com a família, com ela, pedi acompanhamento psicológico e ficou assim. Saí de lá na sexta sem que ela entendesse sequer que eu não voltaria mais. Falei para ela que eu estava entrando em férias e que posteriormente ia para outro serviço e ela respondeu: "tá bom, dra. te vejo depois então, te vejo segunda-feira". Nem insisti muito. Acho que no fundo ela sabia tudo, ela entendia tudo, só não estava pronta para lidar com tudo de uma vez só. Ela queria fazer a cirurgia primeiro, sobreviver, melhorar para depois lidar com a idéia de que precisaria de quimio ou radio ou que não teria muito mais tempo... E provavelmente meu "abandono" no meio daquilo tudo não era algo que ajudaria. Fico pensando agora, como poderia tê-la ajudado melhor, como poderia ter conversado mais... se não poderia passar lá para vê-la essa semana.
Minha outra paciente chegou lá muito otimista, mas com muito medo. Ela não tem nenhuma doença grave e passaria por uma cirurgia eletiva pela qual ela esperava há 3 anos. Mas ela tinha muito medo porque da última vez que ela precisou de anestesia, teve complicações, ficou um tempo em coma e depois que acordou ficou sem mexer as pernas por alguns meses. O maior medo dela era que isso acontecesse novamente.
Desde o começo, fui conversando com ela, tentando entender o que tinha acontecido da outra vez, tentando fazê-la entender que essa cirurgia era diferente e que conhecendo os acontecimentos anteriores outros cuidados seriam tomados.
No dia da cirurgia dela, ela e a família estavam muito tensos. A filha dela, estava em desespero. Sentei, conversei com elas. Garanti a minha paciente que manteria a filha dela informada. Depois, acabei dando o número do meu celular, para que ela pudesse ir para sua casa e me ligasse mais tarde para saber como estava indo a cirurgia. Sei que isso foi um erro muito perigoso, mas não sabia como confortar aquela família. Foi o jeito mais simples que encontrei. Era o que eu gostaria que tivessem feito comigo, se fosse minha mãe.
A cirurgia foi bem, ela voltou para o quarto no mesmo dia. Ela estava evoluindo muito bem, apesar de uma tosse estranha que surgiu no 1ºPO.
No meu último dia lá, à tarde, quando estava me despedindo das pessoas, fui vê-la e fiquei sabendo que ela teve um TEP. Eu não podia acreditar nisso. Não conseguia... Ela estava bem, ela estava com profilaxia, tudo certinho de manhã. E, naquela hora em que fui me despedir, ela mal podia falar com tanta falta de ar, ela mal podia respirar... Fiquei enlouquecida. Questionei os residentes, disse que devia ser outra coisa, vi e revi todos os exames.
Agora fico aqui pensando se eu não deveria ter percebido antes. Fico me perguntando por que não examinei as pernas dela, a procura de uma TVP. Eu sei, minha cabeça sabe que isso não teria mudado nada. Ela provavelmente não tinha uma TVP. Nada que eu tivesse feito ou achado mudaria a evolução, mudaria o problema ou a conduta. Nada. Mas meu coração não sabe...
Queria passar lá para vê-la, para saber como ela está hoje, para explicar para a filha dela tudo que aconteceu...
Minha terceira pacientezinha... ah, como eu a adorava! Ela está lá desde meu primeiro dia. E continua lá após meu último... Não sei se a ajudei em alguma coisa, não sei se mudei seu dia-a-dia de alguma forma. Mas eu quis. E tentei. No começo eu fugia do filho dela a todo custo. Um cara mala, que enfernizava a vida de toda a equipe. Minha sorte é que ele não sabia que ela era minha responsabilidade e eu usava isso a meu favor, para me esquivar. Mas na última semana, resolvi enfrentar. Fui lá diretamente, enfrentei, me apresentei, conversei, respondi suas perguntas tentei ajudá-lo e fazer com que ele nos ajudasse também. Fiz ele entender o quanto a presença dele ali era importante para a recuperação da mãe dele. E isso mudou alguma coisa. Nos primeiros dias após essa conversa, ela teve uma melhora considerável. Ele passou a ficar mais tempo com ela, encheu menos o saco do resto da equipe, tentou efetivamente ajudar. Mas, como isso não é um conto de fadas, como eu sou uma simples interna sem experiência, logo ficou óbvio que o que eu falava para ele, ele ia para algum médico mais velho para confirmar a informação. E não foi necessário muito tempo para ele perceber que minhas informações não eram muito precisas, que o que eu condiserava melhora, não era considerado assim pelos outros médicos, que o que eu considerava uma evolução, eles consideravam estabilização. Fui perdendo toda a credibilidade e deixando de prestar esse papel de informante, já que não estava mais ajudando em nada para a recuperação da minha paciente.
Até que... até que uns médicos mais velhos, que passam por lá uma vez por semana apenas, foram vê-la e acharam que ela estava muito mal, que tinha piorado muito. E mandaram-na para a UTI. Eu e o R2 ficamos tão putos, tão putos.... PQP!!! Eu cuido da paciente de perto, passo para examiná-la no mínimo -NO MÍNIMO- 2 vezes por dia. E um cara que vem vê-la uma vez simplesmente desconsidera nossa opinião e manda ela para UTI, onde com certeza ela vai piorar porque lá ninguém vai tirá-la da cama para caminhar, ninguém vai se preocupar em alimentá-la nem nada assim. Onde simplesmente vão enfiar um monte de tubo nela e deixá-la lá, sendo cuidada por aparelhos e especialistas... até ela pegar uma infecção e morrer de vez.
Eu a via todos os dias, várias vezes por dia. Eu sei que ela piorava muito à noite, que ela sempre acordava muito cansada. Mal. Eu via o quanto ela melhorava de dia. Via sua saturação subir a 99 em ar ambiente, via seu rosto corado e sua animação.
Sim, eu deveria ter prestado mais atenção a esses eventos noturnos, deveria ter tentado mais mudanças (tentamos algumas mas não deram certo), deveríamos ter feito mais e melhor. Mas tive minhas limitações. Não consegui.
E agora ela está lá na UTI. Esperando o pior.
E eu estou aqui pensando nela, revendo meus erros. Sonho com ela toda noite. Simplesmente não consigo me livrar desses pensamentos, dessa angústia. Não consigo.
Por isso que dizem que a gente não pode se envolver com o paciente. Você perde sua vida, sua identidade. É por isso que os mais velhos são tão frios, são tão maus às vezes.
Não quero ser fria como eles, não quero ser má e não quero parar de me envolver porque acho que sou melhor médica quando me envolvo.
Mas também não quero continuar trazendo-os para minha casa, para minhas férias, para minhas noites de sono...
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Mais um estágio termina. E com ele, o semestre.
Esse foi, sem dúvida, meu melhor mês da faculdade até agora. Pela primeira vez me senti médica, fiz coisas que médicos fazem, assumi responsabilidades, procedimentos... Não aprendi quase nada teórico, como esperava. Mas passei um mês numa enfermaria aprendendo o que é ser médico.
- Aprendi a colher sangue e finalmente perdi o medo. Colhi gasos (ainda não com muito sucesso, mas já saberia me virar). Passei um cateter central direitinho (até o último dia do estágio ouvi elogios por isso).
- Aprendi que não se deve dar boas notícias precocemente. É sempre melhor preparar para o mal (mesmo quando você sabe que a probabilidade é pequena). Eu já sabia isso na teoria, mas quando me deparei com a situação de conversar com uma família, acabei metendo os pés pelas mãos. Duas vezes seguidas.
- Aprendi que não sou boa em reconhecer a piora dos pacientes. Tenho tendência de achar que eles estão sempre melhores. Tenho a tendência de suprimir meu sexto sentido que diz que algo não vai bem e fechar os olhos. Meus colegas acham que isso se aprende com o tempo e a experiência, mas eu acho que não é um aprendizado, mas sim uma capacidade. Capacidade de lidar com meu próprio medo do que está por vir, lidar com a frustração de saber que nem tudo está indo tão bem quanto eu gostaria.
Uma das minhas pacientes ontem estava com muita falta de ar. Mas ela sempre esteve com falta de ar. Alguma coisa me dizia que dessa vez era diferente. Tive medo. Suprimi. 2 horas depois ela estava na UTI. Péssimo. Tenho um pressentimento de que ela não sairá mais de lá. Tomara que eu esteja errada de novo.
Fui ao quarto de uma outra paciente hoje. Achei ela diferente, estranha. Mas suprimi. O exame físico estava normal, não tinha queixa, exames lab normais. À tarde passei lá pra vê-la e fui informada que ela teve um TEP. Ainda não consegui processar essa informação. Não consigo aceitar/acreditar. Mas sei que é totalmente possível e provável. Ela tinha todos os fatores de risco e mais um pouco. Todos os cuidados que tomamos não foram suficientes... e eu não consegui processar a informação da possibilidade e da percepção para diagnosticar.
Mas continuando com os acontecimentos do mês:
- Briguei com um dos meus melhores amigos. Ele fez a cacada, não teve coragem de assumir, quase me prejudicou por isso e ficou magoado porque dei uma baita bronca nele. Ele simplesmente não fala mais comigo, apesar das minhas tentativas frustradas de contato. Acabei desistindo. Acabei me cansando de ser ignorada e parei de tentar falar com ele. Aí, acho que ele se arrependeu e não soube mais como voltar a falar comigo sem ter que tocar nesse assunto. Agora estamos nesse ponto. Ninguém sabe como fazer parar. Nenhum dos dois sabe como deixar passar sem mais mágoas.
- Me apaixonei (mas essa história fica para o próximo post)
- Convivi com homens lindos, inteligentes, médicos e comprometidos... que estavam no cio. Eles não podiam ver uma mulher bonita que já ficavam todos se contorcendo, fazendo comentários escrotos. Eles nem ligavam que eu estava presente. Homens são simplesmente homens.
- Fiquei sabendo que sou comum. Ou tenho um rosto comum. Primeiro, começaram a me confundir com uma residente da minha equipe. Depois, as equipes todas começaram a me chamar de Inezinha, dizendo que eu era a cara de uma outra residente. Até chegar ao cúmulo de pararem uma "convenção" porque sentei do lado dela e todo mundo se impressionou com a semelhança. Simplesmente o anfiteatro inteiro parou para comentar. E hoje, para terminar, algumas enfermeiras que estavam comentando que eu era muito parecida com a Luciana (???), disseram que tenho um rosto comum.
O que me tranquiliza é que as duas residentes com quem me confundiam são consideradas muito bonitas pelos meus residentes no cio.
- Confirmei a importância das enfermeiras para nossa profissão. Se não fossem elas teríamos demorado muito mais para diagnosticar algumas intercorrências. Diagnosticaríamos e trataríamos da mesma forma, mas talvez num momento de maior gravidade. Teve um dia que a enfermeira veio pedir para olharmos o dreno de um paciente de 1º PO. Ela disse que estava hemático, perguntou se já tínhamos visto. Os residentes: "Imagina, tá sero-hemático, a gente acabou de olhar, não exagera e pára de assustar a gente, vai!". Ela insistiu, pediu que eles fossem lá ver de novo... O rapaz simplesmente tinha tido uma hemorragia interna naquele instante. Foi reoperado no mesmo dia. Grave.
No outro dia, a outra enfermeira veio me dizer que minha paciente estava rebaixada. E eu: "imagina, ela não tá não, falei com ela agora pouco e ela estava normal". E ela insistiu, pediu que eu fosse lá ver de novo. Óbvio que ela estava rebaixada. Toda a razão para as enfermeiras tão pouco valorizadas.
Esse foi, sem dúvida, meu melhor mês da faculdade até agora. Pela primeira vez me senti médica, fiz coisas que médicos fazem, assumi responsabilidades, procedimentos... Não aprendi quase nada teórico, como esperava. Mas passei um mês numa enfermaria aprendendo o que é ser médico.
- Aprendi a colher sangue e finalmente perdi o medo. Colhi gasos (ainda não com muito sucesso, mas já saberia me virar). Passei um cateter central direitinho (até o último dia do estágio ouvi elogios por isso).
- Aprendi que não se deve dar boas notícias precocemente. É sempre melhor preparar para o mal (mesmo quando você sabe que a probabilidade é pequena). Eu já sabia isso na teoria, mas quando me deparei com a situação de conversar com uma família, acabei metendo os pés pelas mãos. Duas vezes seguidas.
- Aprendi que não sou boa em reconhecer a piora dos pacientes. Tenho tendência de achar que eles estão sempre melhores. Tenho a tendência de suprimir meu sexto sentido que diz que algo não vai bem e fechar os olhos. Meus colegas acham que isso se aprende com o tempo e a experiência, mas eu acho que não é um aprendizado, mas sim uma capacidade. Capacidade de lidar com meu próprio medo do que está por vir, lidar com a frustração de saber que nem tudo está indo tão bem quanto eu gostaria.
Uma das minhas pacientes ontem estava com muita falta de ar. Mas ela sempre esteve com falta de ar. Alguma coisa me dizia que dessa vez era diferente. Tive medo. Suprimi. 2 horas depois ela estava na UTI. Péssimo. Tenho um pressentimento de que ela não sairá mais de lá. Tomara que eu esteja errada de novo.
Fui ao quarto de uma outra paciente hoje. Achei ela diferente, estranha. Mas suprimi. O exame físico estava normal, não tinha queixa, exames lab normais. À tarde passei lá pra vê-la e fui informada que ela teve um TEP. Ainda não consegui processar essa informação. Não consigo aceitar/acreditar. Mas sei que é totalmente possível e provável. Ela tinha todos os fatores de risco e mais um pouco. Todos os cuidados que tomamos não foram suficientes... e eu não consegui processar a informação da possibilidade e da percepção para diagnosticar.
Mas continuando com os acontecimentos do mês:
- Briguei com um dos meus melhores amigos. Ele fez a cacada, não teve coragem de assumir, quase me prejudicou por isso e ficou magoado porque dei uma baita bronca nele. Ele simplesmente não fala mais comigo, apesar das minhas tentativas frustradas de contato. Acabei desistindo. Acabei me cansando de ser ignorada e parei de tentar falar com ele. Aí, acho que ele se arrependeu e não soube mais como voltar a falar comigo sem ter que tocar nesse assunto. Agora estamos nesse ponto. Ninguém sabe como fazer parar. Nenhum dos dois sabe como deixar passar sem mais mágoas.
- Me apaixonei (mas essa história fica para o próximo post)
- Convivi com homens lindos, inteligentes, médicos e comprometidos... que estavam no cio. Eles não podiam ver uma mulher bonita que já ficavam todos se contorcendo, fazendo comentários escrotos. Eles nem ligavam que eu estava presente. Homens são simplesmente homens.
- Fiquei sabendo que sou comum. Ou tenho um rosto comum. Primeiro, começaram a me confundir com uma residente da minha equipe. Depois, as equipes todas começaram a me chamar de Inezinha, dizendo que eu era a cara de uma outra residente. Até chegar ao cúmulo de pararem uma "convenção" porque sentei do lado dela e todo mundo se impressionou com a semelhança. Simplesmente o anfiteatro inteiro parou para comentar. E hoje, para terminar, algumas enfermeiras que estavam comentando que eu era muito parecida com a Luciana (???), disseram que tenho um rosto comum.
O que me tranquiliza é que as duas residentes com quem me confundiam são consideradas muito bonitas pelos meus residentes no cio.
- Confirmei a importância das enfermeiras para nossa profissão. Se não fossem elas teríamos demorado muito mais para diagnosticar algumas intercorrências. Diagnosticaríamos e trataríamos da mesma forma, mas talvez num momento de maior gravidade. Teve um dia que a enfermeira veio pedir para olharmos o dreno de um paciente de 1º PO. Ela disse que estava hemático, perguntou se já tínhamos visto. Os residentes: "Imagina, tá sero-hemático, a gente acabou de olhar, não exagera e pára de assustar a gente, vai!". Ela insistiu, pediu que eles fossem lá ver de novo... O rapaz simplesmente tinha tido uma hemorragia interna naquele instante. Foi reoperado no mesmo dia. Grave.
No outro dia, a outra enfermeira veio me dizer que minha paciente estava rebaixada. E eu: "imagina, ela não tá não, falei com ela agora pouco e ela estava normal". E ela insistiu, pediu que eu fosse lá ver de novo. Óbvio que ela estava rebaixada. Toda a razão para as enfermeiras tão pouco valorizadas.
sábado, 14 de junho de 2008
Hoje percebi que não. Não nasci para ser cirurgiã, não estou disposta a ter essa vida, eu simplesmente não caberia nesse mundo.
Aprendi da pior maneira que para ser um cirurgião, você precisa colocar sua carreira profissional em primeiro lugar (acima de sua família, de seus amigos, de você mesmo, de qualquer outra coisa/pessoa, inclusive de seus pacientes). Além disso, você tem que aprender a não se importar com o prejuízo/chateação que você causa para os outros por causa da sua profissão. Tem gente que nasceu não se importando mesmo... mas para os que se importam minimamente, se não aprenderem a parar de se importar, serão infelizes para o resto da vida, continuarão mantendo os outros ao seu redor infelizes e, ainda por cima, serão cirurgiões ruins.
Falando assim até parece uma coisa horrível, absurda. Mas as pessoas passam a concordar com isso quando pensam em si mesmas como pacientes. Imagina só, por exemplo: você é submetido a uma cirurgia por apendicite. Um procedimento razoavelmente simples, mas de urgência e que envolve riscos. Você é operado por um cirurgião que você gosta e confia, é internado num hospital bom, tudo certo, mas você não conhece nenhum outro médico do lugar. De repente, às 23h da noite você tem uma hemorragia, começa a sangrar horrores. Qual a primeira coisa que você vai pedir? "Chamem o dr. fulano, rápido, quero que ele esteja aqui se acontecer qualquer coisa". Não importa se hoje é aniversário do filho dele, ou se ele combinou de jantar com a esposa dele, ou se ele está cansado depois de um dia inteiro de trabalho. Não importa se ele se comprometeu a ajudar seu primo ou se ele vai ter que pegar o carro de seu vizinho doente emprestado porque o dele quebrou (e se o vizinho tiver alguma intercorrência vai ter que chamar uma ambulância e rezar para ela chegar antes dele morrer). Nada importa. É a sua vida que está em risco e você e todos os seus familiares vão querer o melhor atendimento do médico em quem mais confiam. Ponto final.
Sendo assim, cada paciente que o dr. fulano atende, se ele for bom, vai querer ele sempre por perto para que ele resolva eventuais problemas, principalmente os mais sérios. Hoje é você. Amanhã é o João, no dia seguinte o José, depois a Maria, o Pedro, a Vanessa, o Augusto, o Frederico, a Ofélia, a Neusa etc etc etc.
Não nasci pra isso. Não estou disposta a prejudicar outras pessoas para me dar bem na minha carreira (o prejudicar não faz parte do meu exemplo, apenas algo do qual fui vítima hoje). Não estou disposta a largar meu filho doente em casa para resolver o problema de outra pessoa.
Sim, escolhi ser médica e terei que fazer isso eventualmente independente da especialidade que escolher. Mas, pelo que tenho vivido esses meses, cirurgião faz isso (largar tudo e todos para resolver algo relacionado a sua carreira/seus pacientes) pelo menos 3 vezes por semana. Pelo menos...
Menos um problema na minha vida. Mais uma coisa para aprender: como conviver com meus amigos futuros cirurgiões, ser prejudicada e/ou ferida por eles, e aceitar, e perdoar...
Aprendi da pior maneira que para ser um cirurgião, você precisa colocar sua carreira profissional em primeiro lugar (acima de sua família, de seus amigos, de você mesmo, de qualquer outra coisa/pessoa, inclusive de seus pacientes). Além disso, você tem que aprender a não se importar com o prejuízo/chateação que você causa para os outros por causa da sua profissão. Tem gente que nasceu não se importando mesmo... mas para os que se importam minimamente, se não aprenderem a parar de se importar, serão infelizes para o resto da vida, continuarão mantendo os outros ao seu redor infelizes e, ainda por cima, serão cirurgiões ruins.
Falando assim até parece uma coisa horrível, absurda. Mas as pessoas passam a concordar com isso quando pensam em si mesmas como pacientes. Imagina só, por exemplo: você é submetido a uma cirurgia por apendicite. Um procedimento razoavelmente simples, mas de urgência e que envolve riscos. Você é operado por um cirurgião que você gosta e confia, é internado num hospital bom, tudo certo, mas você não conhece nenhum outro médico do lugar. De repente, às 23h da noite você tem uma hemorragia, começa a sangrar horrores. Qual a primeira coisa que você vai pedir? "Chamem o dr. fulano, rápido, quero que ele esteja aqui se acontecer qualquer coisa". Não importa se hoje é aniversário do filho dele, ou se ele combinou de jantar com a esposa dele, ou se ele está cansado depois de um dia inteiro de trabalho. Não importa se ele se comprometeu a ajudar seu primo ou se ele vai ter que pegar o carro de seu vizinho doente emprestado porque o dele quebrou (e se o vizinho tiver alguma intercorrência vai ter que chamar uma ambulância e rezar para ela chegar antes dele morrer). Nada importa. É a sua vida que está em risco e você e todos os seus familiares vão querer o melhor atendimento do médico em quem mais confiam. Ponto final.
Sendo assim, cada paciente que o dr. fulano atende, se ele for bom, vai querer ele sempre por perto para que ele resolva eventuais problemas, principalmente os mais sérios. Hoje é você. Amanhã é o João, no dia seguinte o José, depois a Maria, o Pedro, a Vanessa, o Augusto, o Frederico, a Ofélia, a Neusa etc etc etc.
Não nasci pra isso. Não estou disposta a prejudicar outras pessoas para me dar bem na minha carreira (o prejudicar não faz parte do meu exemplo, apenas algo do qual fui vítima hoje). Não estou disposta a largar meu filho doente em casa para resolver o problema de outra pessoa.
Sim, escolhi ser médica e terei que fazer isso eventualmente independente da especialidade que escolher. Mas, pelo que tenho vivido esses meses, cirurgião faz isso (largar tudo e todos para resolver algo relacionado a sua carreira/seus pacientes) pelo menos 3 vezes por semana. Pelo menos...
Menos um problema na minha vida. Mais uma coisa para aprender: como conviver com meus amigos futuros cirurgiões, ser prejudicada e/ou ferida por eles, e aceitar, e perdoar...
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