domingo, 27 de abril de 2008

(Post para análise pessoal)

Percebi algo muito feio em mim esses dias (não devia estar publicando isso, mas...).
Percebi que muito das minhas angústias, minhas fugas, meu cansaço, meu mau humor está relacionado com minha dificuldade de aceitar que não sou a melhor naquilo (ou uma das melhores). Quando fica estampado que tem gente que faz determinada coisa muito melhor que eu, eu não aguento a pressão que imponho sobre mim mesma e tento fugir, fico angustiada, às vezes até desesperada. E, o pior, mesmo percebendo isso agora, não consigo evitar, não consigo fazer diferente.

Passei para o estágio de cirurgia sexta passada. Na quinta (antes de perceber essas coisas), fiz toda uma "reflexão" sobre mim, sobre o estágio, sobre o que e como iriam exigir de mim. Passei a tarde descansando (graças a um professor de bom coração da gineco, tivemos o dia livre). Eu sabia que lá eles seriam exigentes, que iam me cobrar muito (tanto conhecimento como habilidades - que não tenho), sabia que minhas horas de trabalho aumentariam horrores. Como conclusão das minhas reflexões decidi que ia respeitar meus limites, que não ia me matar só para parecer interessada (quando estivesse cansada, simplesmente iria para casa e suportaria a bronca depois), que ia estudar o que achasse importante para minha formação (não o que me mandassem), que levaria as broncas numa boa, saberia que não é só comigo e não é pessoal (eles destribuem broncas em todo mundo mesmo - dos mais velhos para os mais novos, é uma cascata de humilhações) e sairia do estágio sabendo que dali há dois meses eles sequer lembrariam de mim (porque já teria outra panela lá com a qual eles iria se preocupar).
Estava tudo certo, eu estava bem comigo mesma e com minhas idéias.
Fui para o estágio na sexta, conversamos com nosso chefe direto. Ele nos deu informações totalmente desorganizadas e incompletas, ficamos perdidos, sem saber direito o que teríamos que fazer.
Beleza. Se o cara não consegue ser minimamente organizado, não teria como exigir tanto da gente. Fiquei o dia todo assistindo aulas (porque era um dia atípico do serviço) e à noite, resolvi passar no PS para acompanhar meu colega que estava de plantão.
Cheguei às 19h. Pretendia ficar até às 22h. Mas quando deu 20h eu saí correndo daquele lugar pois não aguentava mais. Eu não estava entendendo nada do que estava acontecendo, só estava atrapalhando, morrendo de dor nas costas e nas pernas, meu colega já estava super bem adaptado, fazendo as coisas dele numa boa. (A Pérola do dia - chegou um trauma, eles fizeram os primeiros atendimentos e quando estava tudo ok, alguém gritou "interno, vai lá chamar o Fast". Eu olhei para os lados, o interno mais velho correu, meu colega correu atrás e eu, como uma boa interna perdida fui atrás, pensando "quem será esse tal de Fast? será que é um assistente?". Perguntei para meu colega QUEM era o tal do Fast. Ele começou a dar muita risada da minha cara e continuou correndo. Até que percebi que estávamos correndo em direção à Radiologia... e descobri que Fast é um tipo de USG para ver líquido livre em cavidade. Desacreditei no que tinha acabado de fazer). Fui para casa dormir.
No dia seguinte, sábado, cheguei à enfermaria 6h30, encontramos o R+, que nos pediu para escolher pacientes que gostaríamos de acompanhar e ir vê-los. Ele explicou mais ou menos o que tinha cada um, escolhemos e fizemos nossa parte. Quando terminou, ele pediu para que colhêssemos exames. Eu nunca tinha feito isso na vida (mas já tinha visto fazer várias vezes). Fui lá com a cara e a coragem. Furei a coitada da paciente duas vezes e nada de conseguir sangue. Um desastre. O R+ foi lá em seguida e em poucos segundos os tubos estavam completos. Ok. Segundo desastre do estágio (o primeiro foi o do PS da noite anterior, claro!). Acompanhei meu colega para que ele colhesse de sua paciente. E, em poucos segundos, lá estavam os tubos cheios.
Fomos para as "aulas" da tarde. Eu me sentindo péssima. Comecei a ficar de profundo mau humor, que piorou quando percebi que minha outra colega tinha ganhado um livro por pura sorte e eu, que já tinha pedido o tal várias vezes, não consegui.
Foi por aí meu momento de epifania. Em meio a um tremendo mau humor que não tinha muita explicação lógica, vendo aquele livro na mão dela, lembrando do Fast, do sangue não colhido e de todos os pontos de interrogação que estavam rondando minha mente desde que pisei na enfermaria (até agora não entendi nada da história de nenhum dos dois pacientes que peguei)... percebi que todo meu mal-estar era decorrente do sentimento de inferioridade que estava tendo. Queria sair correndo e não voltar nunca mais, ficava pensando que realmente escolhi a profissão errada, que não sirvo para aquilo. Tudo simplesmente porque não sou boa o suficiente em cirurgia, nem em obstetrícia, nem em qualquer procedimento... Me sentia bem na Ped e na Gineco porque me sentia segura, porque tinha alguma idéia do que estava fazendo e na maioria das vezes fazia muito bem e era realmente boa (me sentia tão boa quanto a maioria dos meus colegas e melhor do que alguns).

Simplesmente queria parar com isso. Queria parar de sentir obrigação de ser uma das melhores, de me destacar. Certeza que esse sentimento vem do meu pai que vivia dizendo que eu tinha que tirar só 10 na escola, que olhava meu boletim com desdém e dizia "ah, filha, você tirou um 8,0? que vergonha!", para quem eu nunca fui boa o suficiente, bonita o suficiente, inteligente o suficiente. O sonho dele era que eu fosse miss brasil, mas só atingi 1,55m (a culpa foi dele que casou com uma mulher de 1,50m!). Quando entrei na faculdade ele ficou feliz e orgulhoso, mas o orgulho foi embora muito rápido. Quando ele descobriu que eu queria ser pediatra, ele me massacrou dizendo que era um desperdício, que eu tinha que aproveitar o potencial da minha faculdade e ser uma especialista de renome, a melhor na minha área, que era vergonhoso escolher ser pediatra, ter um consultoriozinho qualquer.
Claro que não posso ser uma pessoa muito sã... com alguém assim por perto (ainda bem que não tão perto assim)...
Mas vou me esforçar para entender, para enxergar, para tentar mudar. Quero passar por esse estágio bem, sem me jogar de um prédio no final e sem matar nenhum dos meus colegas, que, obviamente não tem culpa nenhuma de serem melhores do que eu naquilo.

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