terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Ultimamente, os professores da faculdade têm discutido muito a respeito do abuso de álcool por nós estudantes de Medicina.
Há uma proposta, que provavelmente será aplicada ano que vem, para proibir o álcool na semana em que a gente recebe os calouros. Em geral, essa semana é cheia de festas, almoços, churrascos, esfihadas e cervejadas. Tudo regado a muuuuito álcool.

Sempre que participo dessas discussões, vejo os professores questionando por que os estudantes bebem tanto. Tudo bem que nessa idade as pessoas costumam abusar mais, que toda faculdade tem disso, que beber socialmente faz parte da vida de 80% da população. Mas eles questionam se na faculdade de med não é pior por tudo que a gente passa, por toda a pressão desde antes de entrar na faculdade, pela angústia do dia-a-dia de estar tão perto da morte e do sofrimento humano.

Não sei se isso ocorre de fato. Não sei se os abusos são decorrentes das "dores".

Eu tenho história de alcoolismo grave na minha família: um irmão da minha mãe mora na rua e tudo que faz da vida é beber; a mãe da minha mãe também é alcoolista, em tratamento. Cresci vendo meus pais beberem. Todos os dias eles tomavam alguma coisa (em geral cerveja ou vinho). Todos os dias. Os amigos deles iam lá em casa e sempre enchiam a cara. Até aí, normal.
Eu nunca gostei de beber. Desde que me entendo por gente, experimentei diversas bebidas, em diversas situações e nunca gostei. Entrei na faculdade, meus amigos todos bebiam e eu nada. Nunca me forçaram a beber, nunca me ridicularizaram, nunca fui deixada de lado por isso (alguns professores alegam que os estudantes começam a beber por pressão dos amigos, mas nunca sofri nenhum tipo de pressão).
Sempre frequentei festas, às vezes experimentava uma coisinha aqui e outra ali mas não passava de um gole.
Até que, esse ano, não sei explicar por que tomei um porre numa festa da faculdade em junho. Tomei absolutamente todo tipo de bebida que me ofereceram, fiquei louca, fiz besteira, vomitei... E adorei. Foi divertido, foi, de certa forma, um alívio no meio de tanta pressão que eu estava sentindo. Não sei explicar e não posso ligar os fatos com certeza absoluta. Mas a verdade é que eu estava no ano mais puxado da faculdade, quando a gente tem que se dedicar mais, é mais cobrado, quase não tem tempo para viver. Eu estava sofrendo por um falecido namoro, pela minha vó doente, pela minha irmã sozinha, angustiada e prestando vestibular e pelo meu pai que arrumou uma namorada dançarina de boate mais nova do que eu. Minha vida estava de ponta cabeça e, "coincidentemente", comecei a beber.
Desde então, já perdi a conta dos porres que tomei. Porres fortes mesmo. Apenas uma vez bebi socialmente (ou seja, fui a um bar tomar um ou duas bebidas com amigos, sem perder a noção). Todas as outras vezes, ou fui ao bar e bebi suco ou fui a festas e bebi até cair.
A última vez foi sexta passada. Festa da faculdade, último dia de aula, chopp de graça. Foi maravilhoso.
Cheguei a um ponto que não consigo imaginar a faculdade sem álcool. Não consigo conceber a idéia desses professores quererem proibir bebida na semana dos calouros ou em qualquer outra. Não imagino mais minha vida na faculdade sem tomar meus porres nas festas e perder a noção.

Se eu estivesse ouvindo esse depoimento de outra pessoa, ia pensar "toma cuidado, você está a beira de se tornar uma alcoólatra". Acho perigoso. Acho mesmo. E sobriamente acho que os professores estão certos em se preocupar e querer fazer algo para essas coisas não continuarem acontecendo (proibir não é o caminho, lógico). Não sei qual seria uma forma efetiva de se falar sobre o assunto. Faço uso abusivo de álcool, sei disso, sei das repercussões que isso tem na minha vida e das outras pessoas ao meu redor e não quero mudar. Quero apenas me formar logo, que acabe o sofrimento, que acabem as festas.
Muito complicado.

Resolvi escrever sobre esse assunto hoje porque agora pouco estava assistindo um seriado de tv que mostra a vida de "aprendizes" de médico no seu dia-a-dia da Residência em Cirurgia. São histórias fictícias, criadas por uma pessoa que não é médica. Mas é muito bem feito e em muitas situações, me reconheço ali. Ele retrata muitas das angústias de nós estudantes de medicina, de uma forma muito próxima do real. E, advinha o que o pessoal faz depois de um longo dia de trabalho: enche a cara. No episódio que vi hoje, foi um dia terrível, morreu um monte de gente no hospital, várias cirurgias pesadas... no fim, a personagem compra tequila, leva para casa e toma um belo porre com as duas amigas, também médicas. Esse é um fim recorrente nesse seriado.
Fiquei me perguntando se a pessoa que o escreve faz isso porque as pessoas em geral, de qualquer profissão, costumam afogar suas mágoas de dias difíceis em garrafas de álcool mesmo ou se ela escreve esses porres mais como parte da vida dos médicos, mais pela impressão de que a vida deles é mais angustiante por lidar muito próxima com a morte e por isso a bebedeira é mais frequente e mais intensa.

De qualquer forma, o seriado mostra algo que acontece mesmo e isso tudo, além da minha vivência, me faz pensar mais fortemente que meus professores, infelizmente, estão lutando por uma causa perdida.

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