quarta-feira, 27 de agosto de 2003

Programa quase perfeito: assistir ao filme mais lindo, embaixo das cobertas, comendo pipoca com queijo e tomando suco de manga. Só não foi perfeito porque eu estava sozinha mas foi muito bom... há tempos eu não me sentia tão em paz.
E o filme acabou rendendo algumas reflexões:

"Sabe a senhora Kenedy do 212? Ela não come. Eu vou ao quarto dela diariamente nas últimas três semanas e não consigo fazê-la comer. Eu sei tudo o que há para saber sobre Medicina, estudei sem descanso. Eu garanto: sou mais e sou melhor em diagnósticos que qualquer cirurgião desse hospital mas não consigo fazer com que ela coma."

(Ignorando o excesso de arrogância do cara.)
É isso que quero dizer quando tento explicar porque considero tão importante estabelecer relações, treinar a maneira de conversar, de lidar com as dificuldades diárias intrínsecas de qualquer ser humano normal mas que tanto atrapalham a prática médica.
Muita gente me cobra as tantas faltas que tenho nas aulas sem entender que estou aprendendo muito mais e coisas que, nesse momento considero tão mais importantes, indo para a faculdade para reuniões, para fazer reclamações, para conversar com veteranos ou indo para o hospital para visitar algum paciente com que tive contato numa aula ou ficando uma manhã inteira numa sala de espera, acompanhando minha mãe numa consulta de poucos minutos.
Não adianta um médico ter todo conhecimento teórico, conhecer cada aminoácido de cada proteína de cada canal da membrana ou cada componente e ação de todos os remédios. Se ele não souber conversar, não transmitir confiança, não conseguir estabelecer um vínculo, o paciente não vai aceitar a conduta, não vai acreditar ou não vai entender o que ele fala.
E não estou me referindo a só saber tirar a história ou fazer uma anamnese completa e perfeita. Para mim, apesar disso ser importantíssimo, não é suficiente. Estou falando em interagir verdadeiramente, se sentir parte da vida daquela pessoa, naquele momento.
É mais em busca desse algo a mais que estou nesse 1º ano (e acho que vou estar para o resto da vida) e, pelo menos nesse sentido, me considero fiel aos meus ideais. Não deixo de aprender as matérias e os conceitos que considero importantes, mas passo por cima de detalhes que acho que não são (e se depois eu descobrir que são importantes posso, com um pouco mais de dificuldade, aprendê-los no momento que fizerem mais sentido).
Desenvolver o "jeito" de interagir inclui conversar, estabelecer contato com o maior número de pessoas possível de todos os âmbitos (colegas de turma, professores, diretores, enfermeiras, funcionários da limpeza, as mal-humoradas e metidas secretárias, médicos, pacientes...). Ainda não tenho a cara-de-pau de telefonar para pessoas desconhecidas, com nº de telefones aleatórios para conversar durante 3 horas. Mas já a tenho para bater na sala do diretor da graduação para reclamar ou pedir ajuda (um grande progresso para uma exageradamente tímida).

"- Aqui, hoje, esta sala está cheia de estudantes de Medicina. Não se deixem anestesiar, não se deixem entorpecer diante do milagre da vida. Respeitem o mecanismo glorioso do corpo humano. Pensem nisso em seu estudo e não em tirar notas altas ? o que não determinará o tipo de médico que serão. Não esperem chegar ao hospital para recuperar a humanidade. Aprendam a entrevistar agora, comecem a falar com estranhos, falem com seus amigos, pelo telefone, falem com todos. Cultivem as amizades com as enfermeiras quem muito podem ensinar. Elas lidam com pessoas todos os dias. Lidam com sangue, com cocô. Elas têm riqueza de conhecimentos para passar a vocês, bem como os professores a quem respeitam, aqueles que não têm coração de pedra. Aprendam a ter compaixão e que ela seja contagiosa. Eu compartilhei das vidas de pacientes e do pessoal do hospital. Ri com eles, chorei com eles e é a isso que quero dedicar a minha vida. (...)
- Isso é tudo?
- Eu espero que não, senhor.?

Patch Adams

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