Sexta-feira é um dia muito atípico no meu PSF.
Primeiro porque tem reunião de manhã com todos os médicos e enfermeiros. Um momento de confissões, trocas, fofocas e comidinhas nada saudáveis.
Segundo porque reservo minha manhã (e às vezes à tarde) para atender gestantes. E isso faz com que diminua bastante o número total de pacientes (porque fico com a agenda fechada até quinta -dia anterior- e, se lembro, levo ela até a recepção pra completar as vagas com outros pacientes mas isso nem sempre acontece).
Hoje, foi uma sexta-feira ainda mais atípica.
Atendi umas barrigudinhas pela manhã, fui à reunião (que estava com uma comidinha muuuito boa, incluindo sorvete!), na hora do almoço fui tirar uma soneca no carro do meu colega e à tarde tinha apenas 3 pacientes pra atender.
Imagina: 3 pacientes em 3 horas?! Em geral atendo uns 10... E olha que eu tinha aberto a agenda na quarta-feira... nem esperei até quinta.
Mas, enfim, dos 3 pacientes, 2 faltaram.
A que foi valeu por uns 5... Faz umas semana diagnostiquei um câncer de pulmão nessa mulher. Imagina... eu vi o Rx, eu que dei a notícia... Difícil. Aí marquei pessoalmente esse retorno pra hoje pra ver como ela tinha ficado. Só isso já seria coisa demais... Mas... como nada na vida é simples... quando fui examinar a mulher, ela estava com o pulso arrítmico. Procurei no prontuário, tinha um ECG recente sinusal bradicárdico. Ok. E agora arrítmico???
Pedi um ECG de urgência e a mulher me volta com uma FA clara!
Pior, quando ela entrou no consultório, reclamou que tinha pegado uma gripe, que a tosse tinha piorado, tinha tido febre e cuspido sangue hoje.
Quanto de sangue?
"Ah, doutora, sujou toda minha pia! Mas não era muito não... acho que era só da garganta".
Quantidade suficiente pra sujar a pia não é da garganta com certeza.
O que eu tinha então?
Uma paciente com câncer, sangrando no pulmão, com uma FA aguda sintomática.
Fiz uma cartinha e pedi que ela procurasse o PS urgente.
Ela se recusou.
Disse que ainda não tinha almoçado, que não queria, que não ia sem o marido dela e ele só chegaria em casa às 4h da madrugada...
Enfim... expliquei os riscos, dei a carta... fiz minha parte.
Hora dela fazer a dela.
Depois de "resolver" essa bucha, mesmo assim, fiquei com umas 2 horas livres. Totalmente livres.
Sendo sexta-feira sempre um dia atípico, como não poderia deixar de ser, fui chamada por 2 enfermeiras de outras equipes para avaliar pacientes delas. Buchas também, claro! Se não elas não teriam me chamado.
Resolvi o que deu.
E voltei pra minha sala.
Entrou uma das minhas auxiliares de enfermagem. Começamos a conversar e ela acabou desabafando comigo que estava esses dias esperando chegar o resultado da autópsia da mãe dela que morreu no fim do ano passado. Acabei confessando pra ela que eu me arrependo até hoje de não ter pedido autópsia da minha mãe... 7 anos depois... Conversamos muito sobre essas coisas. Estranho mas bom.
Depois, recebo um telefonema da minha outra auxiliar, que está de férias esse mês. A coitada teve que internar sua mãe no hospital hoje e estava cheia de dúvidas quanto a cirurgia. Ela tem HepatiteC e teve uma agudização com icterícia, coledocolitíase sei lá...
Tentei ajudar como pude mas não sei se causei mais confusão na cabeça da coitada.
É tão estranho... Tenho uma tendência a tratar minha equipe como se elas entendesse mais de Medicina do que a população geral. Mas elas não entendem... Eu acharia natural se elas entendessem uns termos a mais, soubessem um pouco mais sobre algumas cirurgias e tento conversar de igual pra igual. Mas sempre chego a mesma conclusão: elas não sabem, não entendem. É difícil conciliar, explicar, tentar ajudar...
Mais tarde, num momento de mais tranquilidade, sentei pra estudar um pouco sobre Hanseníase, mas logo entrou minha enfermeira: "Será que você pode me dar uma receita carimbada? É pra mim mesma. Precisava pegar meu remédio na farmácia mas estou sem receita, prometo que vou procurar meu médico assim que possível, mas não queria ficar esses dias sem remédio".
Eu fiquei pensando, pensando... sabia que ela não queria falar sobre que remédio...
Mas tive que perguntar: "Vc quer receita de que medicação?"
Ela exitou, sentou e soltou: "Fluoxetina".
Na hora, tive uma reação muito espontânea de surpresa. Nunca imaginei que ela precisasse de Fluoxetina. Logo ela que é tão pra cima, tão forte. Tive que perguntar mais sobre o assunto.
E acho que ela se sentiu confortável.
Me disse que já teve depressão grave e que achava que agora está piorando. Que fim de semana passado ela ficou muito mal, chorou demais, queria morrer.
Fiquei chocada! Em choque!
Não sabia o que fazer, o que falar... Tão tão tão inesperado.
Não falei nada. Ela disse que irir marcar a consulta com o PQ em breve.
Liberei a receita, expliquei como era a melhor forma pra tomar (porque ela estava bem mal orientada sobre isso) e tentei me manter inteira, tentei oferecer apoio caso precise...
Sei lá... Bizarro demais esse dia.
Muitas angústias, muitas revelações ruins...
Foi difícil!
E depois pra terminar, voltei pra casa dirigindo. Comecei a dirigir faz uma semana e até agora estou sobrevivendo.
Mas nunca imaginei que seria tão difícil! Tô sofrendo demais!
O carro morre demais porque não sei mexer na maldita embreagem, já atropelei 2 cones (um em alta velocidade na Av. Paulista e outro numa curva - detalhe: o cone estava em cima da calçada!). Já quase atropelei um motoqueiro, dei um totó no carro da frente e quase arrebentei a porta de um Siena dentro do estacionamento do shopping... Péssimo!
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