sexta-feira, 19 de março de 2010

Erro médico

Sabe por que alguns médicos são processados?

Claro que há diversas respostas pra essa pergunta, do tipo: porque deu o remédio errado, porque fez a cirurgia na perna errada, porque escreveu na receita com letra ilegível e o paciente comprou o remédio errado... há uma infinidade de processos.

Mas, na verdade, eles se resumem num único motivo: médicos são processados quando perdem o foco do paciente. Quando não explicam, não olham no olho, não falam, não ouvem. Simplesmente quando estão cansados cheios de coisas na cabeça e não conseguem focar naquela pessoa ali em sua frente (no caso dos bons médicos, claro! porque no caso dos ruins eles não fazem simplesmente porque não querem e não se preocupam com ninguém).

Sei que não há desculpas pra deixar de enxergar uma pessoa. Mas, às vezes, acontece.
Acontece!
Mas continua sendo imperdoável.

Vamos aos fatos de hoje.

Cena 1
À tarde, tinha um total de 9 pacientes pra atender das 13h às 16h. Comecei na hora correta, não enrolei nem nada. Os primeiros pacientes foram tranquilos e consegui atender todos no horário.
Até que me entra um bebezinho de 25 dias. Eu olhei pra cara da mãe, olhei de novo e sabia que não reconhecia aquela face.
Já estou tempo suficiente no posto pra conhecer todas as gestantes. Faço os pré-natais com o máximo de cuidado e conheço quase todas pelo nome (principalmente as que estão no fim da gestação). E eu não me lembrava daquela mulher.
Deu-se o seguinte diálogo:
- Você não fez pré-natal aqui com a gente, fez?
- Não.
Silêncio.
- Sabe o que que é, doutora. É que eu fui internada em dezembro por uma crise de gastrite nervosa. Tava bem grave e eu tinha emagrecido 12kg. Aí, a médica de lá disse que eu estava grávida. Mas eu estava menstruando normal, todo mês, direitinho. A médica fez o ultrassom e disse que o bebê já estava maduro. Aí, tentei vir aqui pra fazer o pré-natal, mas não deu tempo. O bebê simplesmente nasceu assim de repente. Eu ainda nem acredito que tive um filho. Não estava preparada.
- Mas e a barriga?
- Ih, não tinha quase barriga. Não sei como.

Achei aquela história super hiper mega estranha. Perguntei um milhão de coisas pra tentar verificar a veracidade das informações, mas não consegui chegar a nenhuma conclusão.
No fim da consulta, a mulher me pediu um atestado. Disse que a empresa dela não estava aceitando apenas os papéis da maternidade e a certidão de nascimento e que precisava de um papel dizendo que ela tinha parido.
Na hora, fiquei tão chocada com a história, estava tão confusa, que acabei fazendo o maldito papel.
Erro crasso!
Eu atestei que a mulher tinha tido filho sem ter certeza se isso aconteceu mesmo.
E se a cidadã roubou esse menino por aí e agora está querendo passar por puérpera?
Gastei quase 1h atendendo essa paciente (óbvio que me atrasei horrores) e ainda cometi um erro desses...
O que me deixa mais tranquila é que, depois, conversei com a Agente de Saúde e ela me disse que viu barriga de grávida na mulher sim (era pequena e incomum mas viu) e que quando ela foi na casa 3 dias após o parto, a mulher mostrou todos os documentos da maternidade e tal.
Nada como ter uma equipe de saúde!
Mas, sabe como é, né?! Ela pode ter forjado esses detalhes.
Assim como desconfio que ela molhou a blusa dela pra fingir que está produzindo leite. Nenhuma mulher até hoje entrou no consultório com a blusa molhada desenhando o mamilo. Todas são cuidadosas, colocam algodão, protegem, não gostam quando vaza. Mas essa cidadã... exatamente ela, me aparece com a blusa molhada daquele jeito...
Como sou idiota!
O certo era ter mandado ela voltar na maternidade pra conseguir o tal atestado. O Obstetra devia ter feito essa porcaria, não eu!
Burra! Burra! Burra!

Cena 2
Já atrasada, na correria, estava atendendo um paciente super poliqueixoso.
De repente, entra na minha sala uma comissão: 2 auxiliares de enfermagem e mais uma enfermeira de outra equipe. Todas as 3 com os olhos arregalados, com aquela cara de que alguma merda tinha acontecido.
Coisa boa não era certamente!
- Licença, doutora. Sabe o que é... é que a auxiliar de enfermagem foi tentar passar a sonda vesical num paciente seu mas ela entalou.
- Como assim????
- Tá presa, ué. Não sai nem entra. E o paciente está sentindo muita dor. E ele precisa da sonda pois não consegue urinar sozinho. Preciso que a senhora faça um encaminhamento pra ambulância levar ele pro hospital.

História estranha. Muito estranha!
Minha enfermeira entrou na sala, ouviu o que tinha acontecido.
Após a "comissão" sair e eu resolver o caso do poliqueixoso, chamei minha enfermeira e perguntei se podia confiar na conduta de enfermagem daquelas auxiliares e da outra enfermeira. Eu queria dizer "será que elas sabem mesmo passar uma sonda?".
Ela respondeu prontamente: "pode confiar totalmente! não tem erro! elas são muito boas!".
Cara, não consigo!
Durante a faculdade convivi com muitos maus profissionais pra conseguir confiar assim numa auxiliar de enfermagem. De jeito nenhum!
Mesmo que confiasse... não dava pra fazer um encaminhamento sem ver a cara do paciente.

Claro! Tive que parar tudo que estava fazendo e lá fui eu ver que merda aquelas mulheres tinham aprontado.
O paciente estava se contorcendo de dor.
A auxiliar pegou a seringa, na minha frente, puxou ar do balão tentando desinsuflá-lo. Sem sucesso. Tentou umas 3 vezes. Não sei se estava com defeito ou que...
Eu, sem tempo, sem paciência e sabendo que ela tinha feito besteira, simplesmente puxei a sonda.
E... advinha... a idiota da auxiliar tinha insuflado o balão na uretra do paciente. Simplesmente assim! Ela cometeu um dos erros mais básicos numa passagem de sonda. Agora, imagina, um balãozinho (estava pouco inflado mas continua sendo um balão), passando pela sua uretra, dilatando ela, assim a sangue frio.
Imagina a dor que esse paciente não estava sentindo!!!
Quando entendi o que tinha acontecido e resolvi o problema, fiquei atordoada. Eu não sabia o que fazer, não sabia o que dizer pro paciente. Eu estava mega atrasada, não tinha tempo de pensar, não conseguia olhar pra cara da auxiliar de tanta raiva que eu tava sentindo dela por ter feito aquela merda!
E aí, cometi o erro mais grave, sério e básico da medicina: não expliquei para o paciente. Não consegui pedir desculpas pra ele (em nome da equipe como manda o figurino). Não consegui dizer a ele que a auxiliar tinha errado e que por causa disso agora ele tinha uma uretra dilatada, que iria sangrar e doer e que agora precisava de algum santo que passasse uma nova sonda.
A auxiliar, prontamente disse que no posto não tinha o tamanho de sonda ideal para o paciente, que nem adiantava passar outra.
Na hora, eu nem estava considerando passar outra. O cara tinha acabado de ser ferido por nós e eu não ia fazê-lo se submeter novamente a isso, correndo o risco de dar merda de novo. E eu também não tinha tempo de passar a sonda pessoalmente.

Enfim, o paciente acabou saindo do meu consultório com o pênis zuado, sem saber o que tinha acontecido com ele e com um encaminhamento para um hospital que ele e sua família detestavam.

Mais tarde, fiquei sabendo que a irmã do paciente foi atrás de mim me procurar pra reclamar não sei de que, mas disseram pra ela que eu não estava mais (ou que eu estava ocupada - não sei).

Que estupidez!
Simplesmente não consegui focar no paciente. Estava com a cabeça cheia por causa da suposta mãe/sequestradora, estava com mais 5 pacientes pra atender e só faltava 40 minutos pra eu ir embora, não sabia como lidar com um erro tão sério (que não era meu mas era da minha equipe - portanto, era meu também) e acabei cometendo outro muito mais grave, deixando o paciente sair, sem explicações ou desculpas.

O bom do PSF é que posso tentar consertar a cagada.
Semana que vem, passo lá na casa dele e rezo pra que ele queira me receber e me escutar. Peço desculpas pelo erro, pela correria e pelo encaminhamento sem explicações.
Espero que ele me perdoe...

segunda-feira, 15 de março de 2010

As trigêmeas

Quando cheguei à equipe, logo ouvi falar de uma gestante que esperava trigêmeas.
Ouvia: "ah, as trigêmeas vão nascer logo, falta pouco, ah elas serão lindas!". Coisas fofas pra cá, coisas fofas pra lá.
Me empolguei também. Afinal, nem sempre se encontra uma história assim. Trigêmeas idênticas naturais.

Não conheci a gestante. Simplesmente porque as meninas nasceram antes da consulta de pré-natal.
Pra minha surpresa, elas nasceram ótimas, com bom peso e logo tiveram alta do berçário.

Minha enfermeira foi à casa, fez a primeira consulta, ajudou e tal. A mãe estava radiante de tão feliz.

Há cerca de 2 semanas, passei na vizinhança e por acaso encontrei a mãe. Ela já não me parecia assim tão radiante. Estava cansada.
Disse que quando uma dormia, a outra acordava pra mamar e quando a outra dormia, vinha a terceira e aí a uma chorava e tinha que trocar a fralda e os banhos e as mamadeiras e o peito... E ela simplesmente não dormia desde que as meninas nasceram.
Tentei dar algumas orientações, ajudar no que eu podia ali naquela situação "de rua". Não fiz muita coisa.

Pois bem.
Hoje as meninas vieram pra consulta de puericultura. 1 mês de vida.
A mãe entrou com uma cara exausta!
Atendi as meninas, que estavam super, hiper, mega obstipadas. Choravam o tempo todo, faziam força pra evacuar, mas só conseguiam com supositório.
Como pode um nenê de 1 mês só evacuar com supositório??? Como podem 3???
Examinei... 3 barrigas distendidas... umbigos enormes pra fora... e força, muita força e nada saía.

Aiaiaia... que desespero. Se fosse uma eu já ia me preocupar, sendo 3... sem comentários.
Aí resolvi olhar pra mãe... Só olhei. Ela me olhou de volta e chorou.
Chorou feito criança.
Disse que ama demais suas filhas, que elas são tudo pra ela, mas que ela não está mais conseguindo, que suas forças estão no fim. Ela não dorme há 1 mês. 1 mês! Ela mal come, quase não cuida da casa.
As meninas, apesar da obstipação, estão super bem cuidadas, cheirosinhas, sem assaduras nem lesões de pele. Estão mamando no peito, na medida do possível...
Mas com a mãe nesse estado... é impossível...

Faz um tempo que eu perdi a vontade de ter filhos. Desde que passei na Obstetrícia no internato e na Pediatria... Não queria passar por aquilo, não me imaginava lidando com tamanha responsabilidade... tendo que acordar à noite com peito rachado, doendo, tendo uma criaturinha pra criar com tudo de errado que pode acontecer...
Agora, imagina minha angústia vendo 3! Triplo!!! Tudo em triplo.
Dor!

E a mãe me disse: "o pior é que sei que quanto mais velhas elas ficarem, pior vai ser porque elas vão começar a entender e, aí, quando eu pegar uma no colo a outra vai querer e eu não vou conseguir com as 3, eu não vou conseguir". E as lágrimas corriam desesperadamente.

E desesperada fiquei eu.
"Você é sempre assim tão empática com seus pacientes", me perguntou o enfermeiro de outra equipe que me viu no meio da administração tentando conseguir qualquer coisa que ajudasse essa mãe, qualque ajuda...

No fim, tudo que consegui foi uma possibilidade de creche a partir do 4º mês (sendo muito otimista) e uma consulta compartilhada com a psicóloga pra conseguir orientar a mãe.
Até que a psicóloga deu umas idéias boas. E vamos tentar aplicá-las na quinta-feira... Vamos ver...

Tomara!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Eita diazinho

Tem dias que simplesmente poderiam não acontecer, né?!

Perdi boa parte do meu dia tentando evitar tal pessoa que queria tocar em tal assunto e eu não estava nem um pouco afim. Perdi um bocado de energia e todo bom humor nessa brincadeira besta.
Não. Não adiantava falar pra criatura que eu não queria falar sobre o assunto. Se adiantasse, ele não teria me ligado o fim de semana inteiro e não teria me enchido o saco hoje o dia todo. De boa, falei umas 50 vezes que não queria. Mas é tão difícil de entender...

Depois, ainda tive que aguentar mães pentelhas que ficavam perguntando: "mas você é médica mesmo?", "mas eu queria que meu filho passasse pela Pediatra e você não é Pediatra, né?!".
E o pior... no fim do dia chegou uma barraqueira na recepção, dizendo que a filhinha dela, grávida aos 15 anos de idade, não tinha sido atendida por médico mas sim por uma estagiária, que isso era um absurdo, que a filha dela precisava de um obstetra e que ela ia chamar a imprensa porque isso era um absurodo etc etc etc.
Minha enfermeira foi tentar esclarecer a situação e descobriu que a tal menina tinha sido atendida por mim mês passado e tinha faltado na consulta com o GO após.
Ótimo, né?!

Na hora da menina transar aos 14 anos de idade, a mãe não tá lá pra fazer barraco. Aliás, com certeza a mãe não está lá há muito tempo porque se tivesse a menina nem sequer teria vida sexual e se tivesse não engravidaria.
Mas na hora de me xingar de estagiária, de me acusar de ter colocado a vida da filha dela em risco (???) a maldita mãe aparece.
Nossa!!! Minha enfermeira ficou tão brava, mas tão brava!!! Nunca tinha visto ela desse jeito. Ela quase pulou no pescoço da mulher.

E no fim das contas, é a gente que tem que se acalmar, abrir mão, aceitar o xingamento e remarcar a consulta.
FDP!!!
Fiquei com tanta raiva.
Minha sorte é que não entro em contato direto com esse povo.
Porque se entrasse, ah... se entrasse... coitada dela... e, no fim, quem sairia perdendo seria eu.