quinta-feira, 17 de março de 2005

Finalmente resolvi fazer alguma outra disciplina com outro curso da Universidade (afinal, estou numa UNIVERSIDADE, com oportunidades homéricas de estudar o que eu quiser e fico, como a maioria, restrita às aulas, muitas vezes péssimas, da Medicina).
Estou fazendo Psicologia do Ajustamento com a Fonoaudiologia. Foi a melhor decisão que eu podia ter tomado na minha vida!
Impressionante como as pessoas são diferentes, interessantes, mais "humanas"... Cheguei lá super tímida, com aquele sentimento de "sou odiada por fazer medicina, e agora?".
As alunas, me trataram super bem, ficaram curiosas para saber quem eu era, de onde eu vinha e, aparentemente, felizes por ter alguém "nova" na turma (bem diferente dos estudantes de medicina que, quando surge alguém desconhecido na sala, simplesmente o ignoram no começo e depois começam a reclamar que o "estranho" está roubando lugares na sala, que está tumultuando a aula...).
A professora é esquisita. Bem despojada e desbocada, estava vestida como hippie, falava palavrão, falava de seu sentimento em relação ao curso, a psicologia, parava no meio da aula para conversar com colegas de trabalho que passavam na porta... doidinha. Bem diferente dos professores "robôs" da medicina, que são intocáveis, se vestem impecavelmente, falam de modo formal, não suam, não sentem, não tem defeitos nem fraquezas, não tem amigos (apenas rivais), não fazem nada que pareça minimamente humano...
Durante minhas simplistas comparações no decorrer da aula, conclui que a medicina é a ciência do fingimento, do parecer perfeito, do esconder dificuldades e frustrações, do manter a distância e o anonimato. Do não ser humano.

E isso se reflete na relação médico-paciente. A maioria dos médicos, na frente dos pacientes, faz de tudo para parecer perfeito, aquele que tudo sabe, que não tem defeitos, que faz questão de manter a distância, porque, afinal de contas, ele está num nível superior, ele é profissional, ele é médico, ele não é humano.
Para mim, está mais do que provado que a relação professor-aluno, o exemplo que os professores representam dentro e fora da sala de aula, se reflete posteriormente na relação médico-paciente desse aluno. Sendo os atuais cursos de medicina ministrados por "não-humanos", os médicos formados, em sua maioria, se tornam "não-humanos" também.

Mas, voltando ao curso. Logo de cara, me impressionei com o fato de eu não ter me questionado sobre o que era essa disciplina. Simplesmente vi que ela era na Psico, que meu horário batia e fui fazer. Eu dizia para as pessoas: ?Vou fazer Psicologia do Ajustamento?. E elas diziam: ?Ah... e o que que isso quer dizer? É curso de que exatamente?? e eu respondia qualquer coisa que me vinha na cabeça na hora e nem pensava direito a respeito.
A primeira coisa que a professora perguntou ao iniciar a aula foi justamente isso: significado de Psicologia, significado de Ajustamento e o que seria um curso de Psicologia do Ajustamento. Ela nos fez discutir e refletir a respeito.
Foi aí que percebi o quanto eu caí de pára-quedas na aula, sem fazer idéia do que era. Eu simplesmente queria fazer um curso diferente, parti do princípio de que tudo tem um lado bom e fui. Se as qualidades do que eu encontrasse pesassem mais do que o lado ruim, eu ficava (assim como se baseiam todas as decisões de nossa vida). Foi a melhor escolha que eu poderia ter feito nesse momento.
Estou numa fase de muitas mudanças e profundos questionamentos do que eu realmente quero, do que eu valorizo, uma busca pelos meus valores pré-medicina (pré tentativa de me convencerem que deixar de ser humano é o melhor se eu quiser ser médica).

Ajustamento. Percebi que por vezes (cada vez com mais freqüência) tenho me anulado para me "ajustar". Me sinto diferente da maioria das pessoas que me rodeiam na medicina. Me sinto um ET. E, por vezes, me surpreendo agindo de forma que eu não agiria se não tivesse sobre determinadas "pressões", simplesmente para me sentir incluída, para me sentir mais parecida.
Eu, por vezes, realmente me sinto pressionada (não só em sala de aula mas na convivência com meus colegas também) a deixar de ser humana para me tornar profissional, para me tornar uma "engenheira do corpo".

"Deixar de ser humano para ser médico...? Como assim???
Ué, você não vai ser médico? Então, você tem que se manter emocionalmente afastado do seu paciente. Você não pode sentir dor, nem frustração, nem alegria, nem prazer... nada. Você tem que estar sempre impecável, físico e moralmente (pelo menos na aparência). Você não pode suar, porque seu paciente vai achar que você não toma banho (afinal, ele é burro e não entende que você está trabalhando há horas naquela salinha quente, atendendo milhares de pessoas por minuto). Ou seja, você tira de você tudo que é humano, tudo que te aproxima do seu paciente, ?sobe? para um outro patamar quase divino e, assim, sua consulta será perfeita e você poderá cobrar centenas de reais por ela. Você não vai sofrer, vai tratar seu paciente sem interagir com ele (não criando vínculos) e ainda vai encher o bolso... Não é perfeito?"

Ajustamento. Isso é uma tentativa (que muitas vezes dá certo, infelizmente) de ajustar, moldar as pessoas sem considerar o que elas são, numa concepção pensada por alguém em algum momento da vida e que se tornou uma verdade absoluta, que se tornou ?a maneira adequada?.

É assim que eu acho que o curso de medicina está hoje...

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